Um livro toma várias formas. “Rugas; Arrugas no original espanhol"
pode denominar-se por
BD, novela gráfica, etc. Emílio, um bancário reformado, sofre da doença de
Alzheimer e é internado num lar de terceira idade. O tema do envelhecimento (a
batalha contra o envelhecimento) é tratado com ternura, evitando o melodrama
(mas numa narrativa não isenta de lágrimas) e recorrendo a apontamentos de
humor. Infelizmente, conheço bem a realidade dos lares de terceira idade e
revejo muitos aspectos neste livro. Os dias marcados pelo dormitar em frente à
TV numa existência marcada pela rotina das horas das refeições. As visitas
esporádicas das famílias em que se olha frequentemente para o relógio e se
disfarçam bocejos, etc.
Há personagens que “reconheço”: a senhora que guarda pacotes
de ketchup e de azeite para poder dar ao neto, a única pessoa que a visita -
não há muito mais que estas pessoas possam oferecer com a excepção dos
eventuais trabalhos feitos em pequenas sessões de terapia ocupacional; a
senhora que se senta junto à janela e olha para a paisagem imaginária de uma
viagem no expresso do oriente, etc.
O colega de quarto de Emílio, Miguel, é o bem-disposto do
lar. Tendo tido uma vida de bon vivant é quem mais activamente tenta combater o
tédio e a erosão da rotina. O epílogo destas tentativas consiste em arranjar um
descapotável para proporcionar um passeio nocturno com Emílio (ao volante) e a
senhora dos pacotes de azeite. A viagem é memorável e retrata bem como a
batalha de Miguel contra o tédio é complicada. Alguns apontamentos da senhora dos
pacotes: “Podes levantar a capota? Tenho a garganta um bocado irritada e acho
que estou com febre. Devo ter apanhado frio”; “Quando virem um bar, paramos.
Preciso de água para tomar os meus comprimidos”; “Caraças, só trouxe os
remédios da prisão de ventre. Não trouxe nem os do açucar, nem os da
circulação, nem os da artrite…”. A viagem tem um epílogo memorável: Miguel
chama a tenção de Emílio para o facto dos outros carros lhes fazerem sinais de
luzes e pergunta-lhe se tem os médios
ligados. Emílio responde que vai ver...e vai mesmo ver abrindo a
porta...felizmente todos sobrevivem!
A degradação do estado de Emílio vai-se acentuando ao longo
da narrativa. E Miguel revela-se alguém de muita sensibilidade fazendo o
possível e o impossível para disfarçar esse estado. Por exemplo, ele sabe que
os médicos fazem perguntas sobre a última refeição e assim escreve a ementa na
mão de Emílio. Também faz etiquetas para que Emílio saiba o nome de vários
objectos, incluíndo peças de roupa. Tudo para evitar o degredo para o piso de
cima, o gueto onde estão as pessoas com Alzheimer mais avançado. Mas a batalha
de Miguel é uma batalha de destino previsível - apesar de tudo consegue adiar
essa mudança para o degredo. E o livro termina com Miguel a dar as refeições a
Emílio a quem a mente e a memória se vão desvanecendo.
Saí encantado desta leitura!
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