sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

"ULISSES" DE JAMES JOYCE, UMA OBRA INTRADUZÍVEL?





O texto que se segue escrevi-o há quatro anos, mas penso que guarda actualidade e algum interesse:

“Agora, que passam cem anos sobre o Bloomsday, ou seja, o dia 16 de Junho de 1904, o dia que James Joyce escolheu para descrever, na sua obra “Ulisses”, o périplo de Bloom através da cidade de Dublin, agora, dizia eu, os jornais e as revistas da especialidade não se cansam de publicar artigos, ensaios, sobre o assunto. Uns, de boa qualidade, outros, nem por isso. Entre os primeiros, situa-se o trabalho de J. J. Saer, saído na “Babélia”, o suplemento literário de “El País”. Diz-nos Saer que, em 1967, assistiu a uma conversa, num café de Santa Fé (Argentina), em que estava presente Jorge Luís Borges. Falava-se das traduções de “Ulisses” em castelhano e da mais conhecida entre elas, a de Salas Subirat. E Jorge Luís Borges informou que, nos inícios dos anos quarenta, fez parte de um grupo de “anglicistas” de Buenos Aires, que se propunha levar a cabo a primeira tradução de “Ulisses”, em língua espanhola. Reuniam-se uma vez por semana para assentarem critérios e anteciparem dificuldades. Quando já tinha decorrido perto de um ano – e eles sempre na fase da discussão prévia... – um dos do grupo, que se tinha atrasado, entrou de rompante no local onde se encontravam, brandindo um grosso volume. E anunciou: “Acaba de sair a tradução do “Ulisses”!” Borges, à guisa de comentário, acrescentou: “E era muito má!” Um dos jovens que, agora, em 1967, assistia a esta fala do mestre, comentou: “Pode ser, mas se assim é, o senhor Salas Subirat é o maior escritor de língua espanhola!”
Saer continua o seu artigo com um conjunto de informações e reflexões sobre as traduções de “Ulisses”, algumas de cunho erudito, como a do académico e anglicista Valverde. E formula uma opinião muito curiosa: a de que a tradução de Salas Subirat tem virtualidades que nenhuma das outras apresenta – Subirat era um cidadão de Buenos Aires, autodidacta e homem dos sete ofícios. Trabalhou como agente de seguros, o que o levou ao calcorreio da cidade e à confraternização com as suas gentes. Escreveu várias obras, uma sobre a teoria e a prática dos seguros, outras de aconselhamento e ajuda aos seus concidadãos. Em suma, uma personagem identificável, em muito, com Bloom, o herói de “Ulisses”. E seria essa vivência que ele teria trazido para a sua tradução. Saer pergunta, ainda: não será esta a melhor garantia de uma boa tradução – a que é feita por alguém que capta o espírito da obra e o verte para uma língua diferente? Talvez. Mas talvez melhor seria se essa vivência pudesse ser servida pelo rigor científico do especialista...
Estas reflexões levaram-me a pensar nas duas traduções do “Ulisses” publicadas em Portugal: a de Houaiss (na Difel) e a de Palma-Ferreira (nos Livros do Brasil). E, neste caso, a minha preferência é idêntica à de Saer, pois vai para Palma-Ferreira, homem de cultura, sem dúvida, mas, de modo algum, um especialista de nomeada na linguística, “como é o caso de Houaiss, autor do mais celebrado dicionário de língua portuguesa”.

1 comentário:

Tiago Carvalho disse...
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