quarta-feira, 18 de março de 2009
ELOGIO DA AMABILIDADE
As histórias de Sepúlveda viajam pelas zonas da pobreza, da vida nos recantos mais carentes do mundo, da miséria mais negra, da luta contra ditaduras inomináveis, da tortura e da violência mais crua. Mas nunca se despe do sonho, do humor, do sentido de solidariedade e camaradagem. Acabo de ler cada livro seu e sinto-me em paz com a nossa tão precária condição humana.
Na escrita de Sepúlveda há sempre uma imensa amabilidade perante o Homem, os seus sonhos e as suas utopias. E o curioso é que tenho reconhecido essa mesma amabilidade como marca de vários escritores, poetas e prosadores, do Chile. A começar em Neruda e Gabriela Mistral (ambos Prémios Nobel) a continuar em Skarmeta (autor de "O carteiro de Pablo Neruda"), em Hernán Rivera Letellier (de quem a Quetzal publicou há anos dois deliciosos romances, "A rainha Isabel não cantava rancheras" e «Miragem de amor com banda de música") nalgus livros de Isabel Allende e nalguns outros escritores chilenos que tenho lido.
Desses só em Bolaño, tão cantado recentemente, não senti essa doçura talvez nostalgica que se espalha nos livros de tantos outros seus compatriotas.
Sobre Bolaño, escritor que me atrai e me incomoda (e de quem já li "Estrela distante" e "Nocturno chileno"), hei-de tentar escrever um dia destes mas só depois de ler "Os detectives Selvagens".
E volto a Sepúlveda e a estes seus contos para dizer que acabei de os ler com a mesma sensação de amabilidade na escrita redonda e no olhar sobre os homens e sobre o mundo.
Cruzam-se neste livro memórias reais, memórias ficcionadas e puras ficções. Pequenos textos que nos levam de Hamburgo à Patagónia com passagem pela Amazónia
Um sentimento caloroso perdura de página para página. Os exílios sucedem-se por geografias diversas num certo elogio da amizade viril e cúmplice em torno da mesa e do vinho.
Acima de tudo há uma palavra que sobressai destas histórias e que me toca, a palavra “camarada”. Soa bem. Soa a verdade. Soa a uma rede de gente que às vezes nem se conhece mas anda pelo mundo espalhando uma forma solidária e livre de viver.
Estas histórias nem sempre atingem o brilhantismo dos melhores livros do autor, nomemeadamente desse romance extraordinário que é "O velho que lia romances de amor". Aliás, num dos contos Sepúlveda desenterra as personagens desse romance. Não s eaproxima da força do romance original. “Um corpo não se repete na aurora…” diz mais ou menos assim o Lorca e talvez seja verdade.
Com uma ou outra fragilidade o livro sabe bem ler. E isso é a primeira grande qualidade que exigimos a um livro. É uma sopa quente, esta prosa de Sepúlveda. E, voltando ao início, o autor nunca deixa de ser amável mesmo quando trata dos lados mais negros da vida. E eu, como leitor, gosto de ser bem tratado porque "um homem precisa de ter sempre um pé na Primavera." como escrevia num poema o Fernando Assis Pacheco.
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