segunda-feira, 25 de maio de 2009

"MANHÃ SUBMERSA", UMA RELEITURA




Muitos foram os escritores que, ao longo do século XX, foram considerados estrelas de primeira grandeza, destinadas a brilhar até ao fim dos tempos. Mas quantos, quais, ficarão na história da literatura portuguesa? Poucos, de certeza. E entre esses poucos não poderá deixar de estar o Vergílio Ferreira. Obras corno "Alegria Breve", "Aparição" ou "Manhã Submersa" dificilmente poderão ser afectadas pela erosão do tempo. E por várias razões: pela perfeição da escrita, pela força dos temas que lhes conferem estrutura, pela universalidade dos sentimentos, das emoções das personagens. E, talvez acima de tudo, pela dramaticidade das histórias que nos contam.
Estas considerações decorrem da releitura que acabo de fazer da "Manhã Submersa". Li a obra pela primeira vez há cerca de cinquenta anos. Reli-a há uns trinta, para, agora, voltar a lê-la. Sempre com prazer, sempre com espanto. Fundamentalmente pelo modo corno Vergílio Ferreira caracteriza situações, personagens, ambientes sociais - sentidos, sofridos no corpo e na alma de um menino pobre de uma aldeia beirã, que é enviado para o seminário, mercê do auxílio que lhe presta a senhora rica - viúva e beata - da aldeia, que quer fazer dele um ministro de Deus. A acção decorre nos três cenários distintos em que o jovem se move: o seminário; a pobreza da casa da sua família; a casa da família rica que o protege. Sempre com referências aos ambientes naturais em que se inserem. Mas, para além destes elementos de ordem objectiva, existe um outro, de natureza subjectiva, que estrutura e dá sentido à história: a vida interior do jovem seminarista - as suas emoções, os seus sentimentos, a teia de intimidades, de cumplicidades em que se vai envolvendo. Este é, em última instância, o verdadeiro cenário em que tudo acontece. E é essa dimensão que confere à obra um lugar muito especial na literatura portuguesa que tem a infância, a juventude, como tema. Não só na nossa literatura, como na literatura europeia do século XX. Ora, foi exactamente esse aspecto que foi ganhando relevo ao longo da releitura que acabo de fazer. Na verdade, eu, como professor que sou, sempre dera primazia à caracterização das pessoas e das situações da instituição educativa em que o jovem se inseria. Ou seja, sempre valorizara o aspecto objectivo em detrimento do subjectivo. E tinha boas razões para tal: a "Manhã Submersa" constitui um testemunho da maior importância para a História da Educação em Portugal. O ambiente, o dia-a-dia dos alunos naquele seminário do Portugal profundo dos anos vinte, é algo que nenhum professor (e nenhum cidadão) pode esquecer, pois representa uma parte importante da nossa história contemporânea: foi nessas instituições de ensino que se forjou a mentalidade de muitos dos que detiveram o poder na nossa sociedade. A violência, a arbitrariedade, os métodos de ensino e os que tinham como finalidade moldar o carácter dos jovens são magistralmente descritos por Vergílio Ferreira. Atente-se, por exemplo, na descrição das aulas de latim, assentes na competição (a mais feroz das competições) entre os dois "partidos" em que se dividiam os alunos. Verdadeiras guerras do saber (e do estar), fomentadas pela instituição escolar, nas quais se podem detectar todos os elementos constitutivos da escola e do ensino tradicional: predomínio do saber sobre o ser; valorização da memória em detrimento do raciocínio; hierarquização e disciplinarização nas relações professor-aluno, aluno-aluno; formalização do acto educativo; e, acima de tudo, competição. Competição terrível, em que os mais fortes têm todos os direitos, inclusivamente o de passar por cima do cadáver dos vencidos.
Enfim, algo de longínquo, sepultado nas cinzas da nossa história recente? Talvez sim, talvez não. Em última instância, compete a cada um de nós determinar onde se situa: no passado, onde se passa esta história, ou no tempo presente, em que se vive, sente e pensa de um modo “diferente”? Às vezes, talvez nos dois, em simultâneo...

2 comentários:

Vera de Vilhena disse...

A leitura ou releitura desta obra é bastante pertinente nos tempos que a educação anda a causar tanta polémica. É uma das minhas falhas imperdoáveis, nunca ter lido a "Manhã Submersa"! E o V.F. escreve tão bem...

anareis disse...

Estou fazendo uma campanha de doações para meu projeto da minibiblioteca comunitária e outras atividades para crianças e adolescentes aqui no Rio de Janeiro,preciso da ajuda de todas as pessoas de bom coração,pode doar de 5,00 a 20,00.Doações no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 Que DEUS abençõe todos nos.Meu e-mail asilvareis10@gmail.com