sábado, 15 de agosto de 2009

O ÊXITO, ESSA CATÁSTROFE



(Javier Cercas)


Abundantes são os exemplos de escritores que foram destruídos pelo êxito das suas obras. E, entre eles, avulta o caso de Scott Fitzgerald - o exemplo paradigmático. Daí, estou em crer, ter surgido a lenda do êxito como sinónimo de catástrofe. Esta questão, e umas tantas mais com ela relacionadas, foram-me recordadas por Javier Cercas, em artigo publicado em "El País". Cercas, autor de "Soldados de Salamina", obra que o celebrizou, conta-nos o modo como o êxito o afectou e como se saiu dessa situação, utilizando o antídoto mais eficaz para essas ocasiões: escrevendo novo romance! Refere-se, também, ao ensaio que Tennessee Williams escreveu - "A Catástrofe do Êxito" - onde faz o seu retrato, no período que se seguiu à estreia da sua primeira peça, que o catapultou para os píncaros da fama. Mas a fama, a glória serão forçosamente causadoras do mais terrível dos anátemas que se pode abater sobre um escritor - a dificuldade, a impossibilidade de criar? Não sei, mas que tenham influência em tal, disso, não tenho dúvidas. O afundamento no turbilhão das manifestações de apreço em que o escritor se vê envolvido, a exposição social a que está sujeito não são, de modo algum, benéficas ao acto criativo. Tanto pelo excesso de estímulos que acarretam, como pela razão oposta ou seja, o bloqueamento que podem originar. Cercas, ao comentar este último aspecto, fala-nos do caso de escritores, inesperadamente famosos, que entraram em processo de ensimesmamento, em recuo para dentro de si-próprios, deixando de escrever durante vinte ou mais anos - ou para todo o sempre - tal o medo do fracasso. Este recolhimento em si-mesmo foi caracterizado por Rafael Sanchez Ferlosio (escritor que também sofreu uma celebridade repentina) em termos muito curiosos: "(...) Deram-me, até, um banquete (...) e, talvez já de um modo semiconsciente daquele enorme "bluff", senti tanta vergonha e tanta agorafobia, que cometi a terrível grosseria de não me levantar para agradecer a homenagem e os discursos." Seria nesse momento, diz Cercas, que Ferlosio teria compreendido que não tinha vocação para o papel de literato, o que o levou a retirar-se de cena: "O bispo de mim mesmo mandava que eu me retirasse e me dedicasse a altos estudos eclesiásticos…"
Cercas, no artigo referido, estende-se ainda, um tanto mais, sobre os malefícios do êxito literário - "que alimenta, mais do que qualquer outra coisa, o impulso destrutivo de um escritor" - e chama-nos a atenção para uma verdade insofismável: a obra prima nada tem a ver com o número dos seus leitores. Conclui dizendo que felizes são aqueles que o sucesso não bafeja - felizes sem o saberem...
Mas do que ele não fala é do sofrimento, do desespero, dos que não conseguem publicar as suas obras ou, se as publicam, ninguém delas fala... Desespero tão grande que, em muitos casos, leva à progressiva destruição do autor ou, até, à sua morte. Evidentemente que o suicídio não se confina a uma explicação linear de causa-efeito, pois há sempre um conjunto de factores por detrás, mas que o fracasso literário contribui para a concretização desse acto, disso, não tenho a menor dúvida - até por conhecimento pessoal de alguns casos. Enfim, variado é o mundo e várias são as suas gentes. E como nem todos têm um bispo dentro de si-mesmos...

2 comentários:

Lis disse...

Interessante post.

Alda Couto disse...

Talvez o ideal, se é que o ideal existe, seja conseguir manter um certo número de leitores, por pequeno que seja. Este advento da internete tem permitido a muita gente a divulgação do que escreve, independentemente das editoras. Tal como afirma, a ausência total de leitores é tão negativa quanto a pressão que sofre aquele que é célebre.
No caso, evidentemente dos que sofrem com a celebridade, porque ainda não vi um Saramago ou um Garcia Marques com vontade de cometer suicídio...