sábado, 22 de agosto de 2009

O INSTANTE E A ETERNIDADE


(Fotografia de Henri cartier-Bresson)

Diz-nos Carlos Saura que o grande drama da fotografia (e do fotógrafo, portanto) é o tempo: a fotografia é o instante que se transforma - imediatamente - em passado. Posição idêntica é a do francês Henri Cartier-Bresson, possivelmente o maior fotógrafo do século XX, Em entrevista concedida ("concedida" é o termo exacto...) à crítica de arte e jornalista brasileira Sheila Leirner e publicada no Diário de Notícias, ele afirma: "(...) a fotografia é o problema do tempo. Tudo desaparece. Com a fotografia, existe uma angústia que não há com o desenho. O presente concreto ocorre numa fracção de segundo, o que é desagradável e maravilhoso, simultaneamente. Trata-se de uma luta contra o tempo..." Uma luta para a qual o fotógrafo só tem uma arma: a sensibilidade, "o olhar (...) de sensibilidade." Olhar que lhe permite transformar o instante em eternidade.
Cartier-Bresson tem um hábito curioso: utiliza frases de personalidades célebres para dar mais ênfase às suas ideias, Assim, cita De Gaulle quando quer caracterizar o acto de olhar do fotógrafo: "Visar bem, atirar seco e sair de campo." E será exactamente esse sentido de oportunidade que faz dele o grande fotógrafo do homem em solidão. Faz dele um fotógrafo, sim, e não um cineasta ou um ficcionista, embora sempre tivesse estado ligado a esses domínios da cultura. E a razão é bem simples: "Eu não tenho imaginação. O que me fascina é a vida, que tento compreender." Ou, dito por outras palavras: o que o "cativa" é "a observação da realidade", não a efabulação que sobre ela se possa fazer. Daí, a razão de ser da sua afirmação: "Eu não tenho nada para contar. Eu vou, olho, e as coisas me surpreendem. Isso é puramente visual. Tenho horror à palavra conceptual. Se os artistas conceptuais nos convidarem para jantar, eles servirão apenas as espinhas do peixe. Eu pessoalmente prefiro a carne dele. O conceptualismo é pura masturbação mental, na qual não entra a sensibilidade." Na verdade, é a "carne" (o real na sua concretude) que ele nos "serve" nas suas fotografias. A concretude que ele "rouba" às coisas para no-la dar. Ou, como diz, parafraseando Stendhal: "Essas pessoas" (e ele inclui-se entre elas) "roubam para nos dar." Por isso, não se considera um artista, mas um artesão: "Nós, os fotógrafos, não estamos perto dos artistas; para mim, somos como artesãos, como marceneiros..."
Ao chegar ao fim desta "recensão-crónica", pergunto-me por que a fiz e por que a fiz deste modo, utilizando a técnica do recorte de frases que Cartier-Bresson utilizou na sua entrevista. Creio que há fundamentalmente uma razão: tentar compreender o que de essencial há nas palavras do entrevistado, essencial que se encontra disperso (por vezes, com aparências de contraditório) ao longo das suas respostas. Mas ainda outra razão haverá: seria assim que eu montaria aquela entrevista, se entrevistador eu fosse...
Mas há, ainda, um aspecto diferente, para o qual eu queria chamar a atenção: se tomarmos como boas as palavras de Cartier-Bresson sobre o artista e o artesão-marceneiro (e não como uma simples "boutade"), concluiremos que a arte não resulta da intenção de quem a faz, mas sim, do "olhar" de quem a usufrui. O que nos leva a reflectir sobre o papel decisivo do espectador na construção da obra de arte. E, claro, a explicar a existência de tanto "artista" falhado... Ora, o que é válido para a arte, também o é, e talvez ainda mais, para a literatura.

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