quinta-feira, 17 de setembro de 2009

E SE A NET DESAPARECER?




Este Verão fez-me andar num pequeno desatino de leituras selvagens. Os temas cruzaram-se, os livros sobrepuseram-se, alguns não chegaram ao fim... A leitura é mesmo assim. Uma vagabundagem sem rei nem roque ou, melhor, com regras misteriosas que se vão fazendo e desfazendo ao sabor dos dias e das motivações.

Acumulei livros começados: Fernando Rosas e a "História da Primeira República Portuguesa", os dois volumes dos "Estudos oitocentistas" de Joel Serrão, artigos de jornais protelados ao longo do ano, o extraordinário "Margarita e o Mestre" de Mikhail Bulgakov, constos de Katherine Mansfield... Etc, etc, etc.

Pelo meio andou "A Obcessão do fogo", registo de várias conversas entre Umberto Eco e Jean-Claude Carriére, lido com vários intervalos já que os temas abordados e o brilhantismo dos dois dialogantes permitem e até solicitam mastigação cuidada.

Trata-se de um livro extremamente motivador que regista as conversas entre dois bibliófilos que discorrem sobre o livro, a leitura, as bibliotecas, a escrita, a net, os e-books... Um nunca mais acabar de assuntos que se sucedem como pérolas diversas de um colar delirante.

Resumindo: é um livro em que assistimos à conversa com sem regras de dois homens, ambos com um percurso de vida fabuloso, que falam à volta de uma paixão comum: a leitura e os livros.

É um livro que nos ajuda a pensar. E pensar é dos mais sofisticados prazeres a que nos podemos dar nos tempos que correm.

A certa altura, J-C Carriére afirma:

"A ignorãncia está à nossa volta, frequentemente arrogante e reivindicada. E á mesmo provas de proselitismo. É segura de si, proclama o seu domínio pela boca desdenhosa dos políticos. E o saber, frágil e mutável, sempre ameaçado, duvidando de si mesmo, é inquestionável mente um dos últimos refúgios da utopia."

Pensar, saber, aprender é porventura a forma mais eficaz de resistência à ditadura da banalização e da ignorância a que somos sujeitos pelos media, pos muitos políticos e até por ministros e ministras.

Os temas que qtravessam este diálogo não são transponíveis para uma croniqueta como esta e vão do cinema ao erotismo, da organização ou desorganização de uma biblioteca às religiões do Livro, do Budismo às Ciências Ocultas, numa deliciosa deriva que nos arrasta, que nos interroga, que nos faz questionar certezas assentes.

O tema mais forte e, quiçá, mais actual será o do livro, da leitura e da net.

Questiona-se aqui a qualidade e veracidade do que circula na net. Quem verifica a verdade das Wikipédias, das transcrições, das firmações, das autorias?

O que é que vai ficar como memória do nosso tempo? O que está ou que vier a ficar na net para daqui a 100, 200, 300 anos?

E será que a net e o e-book vão acabar com o livro e criar uma ordem de leitura?

Eco afirma que há objectos que nasceram perfeitos. E cita: a roda, a colher, o martelo, o livro e outros. Se acabar o petróleo e a electricidads, se a net acabar, o que nos resta? O livro como guardião do saber (e do não-saber)?

Outra questão levantada e muito pertinente para reflectir perante a invasão dos Magalhães: a escrita é a comunicação biológica, uma técnica que prolonga o corpo e o projecta no mundo. A nova escrita, resultante de uma superlativização do computador, que alterações irá introduzir no eco-sistema do inidivíduo?

4 comentários:

Vera de Vilhena disse...

Que sugestão deliciosa, esta obra e o teu texto são promessas de horas bem passadas, e de novos pensamentos para o leitor. Obrigada pela sugestão.

deep disse...

Também agradeço a sugestão. Até já fiz mentalmente a lista das pessoas (incluindo eu própria) a quem posso oferecer, pelo Natal ou no dia de aniversário, este livro.

A afirmação de Carriére lembrou-me "Fahrenheit 451" de Ray Bradbury.

Um bom fim-de-semana. :)

Luísa

JOSÉ FANHA disse...

Cara depp,

Agradeço o comentário e, a propósito do farenheit 451, deixe-me falar-lhe de um livro recente e interessantíssimo: "História Universal da destruição deos livros" de Fernando Baez, edição Texto.

aproveito para lhe dar os parabéns pelos seus dois blogs.

Dè notícias.

Um berijinho,

JFanha

Anónimo disse...

Caro José Fanha,
agradeço as palavras simpáticas sobre os meus blogues, que, a meu ver, não passam de toscas mantas de retalhos que vou pregando conforme o tempo e o estado de espírito.
Obrigada também pela sugestão. Logo que possa, hei-de procurar o livro.

Luísa
Um bom resto de semana. :)