sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O CONTO NORTE-AMERICANO NA ACTUALIDADE: RICHARD LANGE


Lange, Richard Lange, tem sido considerado pela crítica como um continuador de Raymond Carver ou, pelo menos, como alguém que lhe está muito próximo. Não sei se será exactamente assim. Enquanto em Carver as descrições objectivas de situações e de comportamentos (verbais e não verbais) das personagens assumem um papel central no processo de construção da história, em Lange as descrições não têm a mesma centralidade no processo narrativo, nem se situam num plano de pura objectividade. Constituem, sim, referências para um conhecimento do mundo de emoções, de pensamentos do narrador, enquanto personagem principal da história.
Se podemos considerar Carver um escritor pós-modernista (na acepção que lhe é atribuída por Douwe Fokkema), o mesmo não se poderá dizer de Lange, que se situa entre o modernismo e o pós-modernismo, na medida em que utiliza elementos de um e de outro destes dois movimentos, como se poderá verificar num dos seus livros mais recentes, “Dead Boys” (Little Brown and Company, USA ou Albin Michel, France).
Estamos, pois, perante uma escrita híbrida, o que não lhe retira legitimidade. Em última instância, podemos considerar que é uma expressão da cultura de uma época em que foram ultrapassadas as oposições entre escolas literárias.
“Dead Boys” é uma colectânea de doze contos que se estendem por cerca de 290 páginas (na edição francesa), que abordam temas variados, a constituir um fresco da sociedade norte-americana de hoje. “Bank of America”, o primeiro conto, é um texto que, do ponto de vista formal, deve algo a Carver, nomeadamente na organização das sequências preparatórias do assalto ao banco. De destacar a caracterização das personagens que compõem o grupo que prepara o assalto. Caracterização indirecta, decorrente da sua participação no processo que antecede a acção, mas extremamente conseguida. Personagens de nomes sugestivos, como Moriarty, o cérebro, o eixo do mal.
Num outro conto, “Fuzzyland”, Lange relata-nos a relação entre um irmão e a sua irmã, relação marcada pela violação da irmã por um desconhecido, o que nos sugere o clima de violência que se vive naquela comunidade da pequena burguesia das imediações de Los Angeles/Hollywood. Violência que se esconde nas pregas de um viver e de um estar em que, aparentemente, nada acontece. O incêndio que lavra nas montanhas que rodeiam a cidade é um marcador que pontua a narrativa e anuncia o drama que se oculta no quotidiano do autor-narrador. Nada é explícito, tudo se vai revelando insinuosamente, a criar uma tensão difusa, mais causadora de perplexidade do que de mal-estar.
“Tout ce qui est beau est bom” é o título (na edição francesa) de um dos contos mais característicos de Richard Lange, estruturado sob a forma de conjunto de fragmentos, aleatórios em relação à história que se vai urdindo (a progressiva perturbação psíquica de alguém abandonado pela namorada). Fragmentos que têm, ainda, uma outra função: revelar ao leitor o esqueleto a partir do qual se construiu a história. O que não é habitual na literatura ficcional, que nos apresenta a história acabada e nunca o processo da sua construção.
Por tudo isto e por algumas razões mais, uma pergunta: para quando uma tradução portuguesa dos contos de Lange?

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