domingo, 19 de setembro de 2010
MAVIS GALLANT, A TENSÃO QUE SE ESCONDE NAS PREGAS DA ESCRITA
Este texto tem como finalidade apresentar aos leitores portugueses uma contista desconhecida entre nós.
Mavis Gallant é um dos monstros sagrados da literatura canadiana, candidata permanente ao prémio Nobel. Com obra publicada em inglês, acaba de ser traduzida para espanhol (Lumen), com o título “ Los Cuentos”, uma colectânea de 35 contos, que ocupam 934 páginas, com temas variados, que incidem sobre múltiplos aspectos da vida quotidiana de diferentes grupos sociais, com predomínio da vida francesa actual (a autora reside em Paris).
Contos de construção aparentemente tradicional, apresentam peculiaridades muito próprias, como uma tensão permanente que cria uma dinâmica subterrânea que torna expectante o leitor. Outra peculiaridade é o intenso sentido visual da sua escrita. Mavis Gallant tem de “ver” para escrever. Um exemplo flagrante é o conto “Em Trânsito”, assente num conjunto de “flashes” de cariz cinematográfico, de dois casais na sala de espera de um aeroporto, a que a autora confere conteúdo novelístico. Desta sua fonte de inspiração dá noticia Mavis Gallant, no prefácio da obra, quando nos diz que “a primeira rajada de ficção chega sem palavras. Consiste numa imagem fixa, como um diapositivo, ou melhor ainda, como um instantâneo congelado que mostra personagens numa situação simples. Por exemplo, a visão de Bárbara, Alex e os seus 3 filhos descendo de um comboio no Sul da França anunciará “Sem Remissão”. A cena em questão não sai na história mas permanece como uma velha fotografia de um jornal com uma legenda em que se dão todos os nomes”
Outra técnica utilizada é o recurso a memórias (familiares, mas não só) de momentos marcantes da vida psicológica de personagens, como é o caso do ex-legionário (conto intitulado“Ernest de Campesino”), em deambulação alucinada por Paris e outros locais. Diferente mas igualmente elucidativa da variedade de recursos técnicos que Mavis Gallant mobiliza é o conto “O Verão de um Homem Solitário”, no qual se põem em confronto diversas concepções de personagens que integram a história e nos dão testemunho das suas convicções sobre a transitoriedade das relações humanas e dos laços privilegiados que juntam ou separam as pessoas.
Em última instância, poderemos dizer que estamos perante uma obra que nos apresenta um precioso conjunto de retratos psicológicos de homens e mulheres do nosso tempo, fazendo-nos reflectir sobre a nossa condição humana, enquanto seres vulneráveis porque dependentes de teias relacionais, dependência essa de que muitas vezes não temos consciência.
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