sábado, 2 de outubro de 2010
GARCÍA MÁRQUEZ: AS HISTÓRIAS DO REALISMO MÁGICO
Esta crónica tem como finalidade dar notícia de uma obra de Gabriel García Marquez, “A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da Sua Avó Desalmada”, publicada recentemente pela D. Quixote. Obra que agrupa seis contos e uma novela de um dos mais considerados autores da literatura da segunda metade do século XX. Textos escritos nos anos sessenta, princípios de setenta e considerados como exemplos perfeitos de uma corrente literária que se celebrizou sob a designação de realismo mágico.
Histórias em que a magia irrompe para além dos limites impostos pela realidade, aprofundando o significado dos actos mais triviais do quotidiano. O que confere um sentido simbólico à linguagem e a impregna de uma aura poética. Veja-se, como exemplo , o início do conto “A Última Viagem do Navio Fantasma”:
“Agora vão ver quem sou, disse para si mesmo, com o seu novo vozeirão de homem, muitos anos depois de ter visto pela primeira vez o transatlântico imenso, sem luzes e sem ruídos, que uma noite passou em frente da aldeia como um grande palácio desabitado, mais comprido que toda a aldeia e muito mais alto que a torre da sua igreja, e continuou a navegar no escuro até à cidade colonial fortificada contra os corsários do outro lado da baía, com o seu antigo porto negreiro e o farol giratório cujas lúgubres riscas de luz, de quinze em quinze segundos, tranfiguravam a aldeia num acampamento lunar de casas fosforecentes e ruas de desertos vulcânicos(...)”
Atente-se no caudal impetuoso da escrita, uma das características mais marcantes do realismo mágico em García Márquez. Outra das características é a temática das histórias, a assemelharem-se a lendas ou a sagas medievais, em que o Bem e o Mal , encarnados pelas personagens principais, são postos em confronto.
Mas nem todas as histórias deste livro estão subordinadas aos cânones estritos do realismo mágico. E estas, em minha opinião, não são os menos interessantes. É o caso de “Morte Constante para Além do Amor.” História que poderemos designar como se situando na fronteira do realismo mágico. Nela se relata a viagem do senador Onésimo Sánchez, em campanha eleitoral por terras de todos os compromissos, ao encontro do Amor e da Morte, que acaba por dar sentido à sua Vida, purificando-a, ao despojá-la do ruído que as vicissitudes sociais a vinham conspurcando, ao longo dos anos.
A aura poética a que me referi é um elemento central da última história ( a que dá o título à obra), transportando-a para um mundo surreal, em que o onírico ressitua personagens, conferindo-lhes uma realidade simbólica. Entre outros, veja-se o seguinte exemplo:
“ Dispunha-se a regressar à tenda quando viu Ulisses de pé, sozinho, no espaço vazio e escuro onde antes estivera a fila dos homens. Tinha uma aura irreal e parecia visível na penumbra graças ao fulgor próprio da beleza.
E tu – disse-lhe a avó - ,onde deixaste as asas?
Quem as tinha era o meu avô – respondeu Ulisses com naturalidade - , mas ninguém acredita.
A avó voltou a examiná-lo com uma atenção enfeitiçada. “Pois eu acredito, disse.”Amanhã vem com els postas”. Entrou na tenda e deixou Ulisses a arder no seu lugar”
Estamos, pois, perante uma obra situada no tempo, mas de uma força e de uma beleza que a faz ser de todos os tempos.
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