sábado, 1 de outubro de 2011
DO PRAZER DA ESCRITA AO PRAZER DA LEITURA
Devo confessar que sou, leitor atento e agradecido do Afonso Cruz.
Ilustrador, músico, agricultor e escritor, senhor de uma cultura sólida em vários domínios, da literatura e da filosofia a muitos outros domínios, o Afonso é daquelas pessoas para quem uma vida só é curta para o muito que tem para dizer e fazer.
Conhecemo-nos de raspão, cruzámo-nos 2 ou 3 vezes, temos um livro em comum. Não me canso de recomendar os seus livros aos meus amigos desde o primeiro que foi "Os livros que devoraram o meu +pai".
A primeira coisa que salta da leitura dos seus livros é o prazer de escrever em Afonso Cruz, aliado ao gosto de fintar o leitor, abrindo sucessivos alçapões em que mistura citações reais com outras inventadas, personagens da História com outros de ficção e ainda alguns retirados de ficções alheias como é o caso de Helen e Schwartz saídos de "Uma noite em Lisboa" de Erich Maria Remarque, que se cruzam com o pintor Joseph Sors, a personagem central desta novela que se inspira, por sua vez, numa personagem real de que o autor diz pouco saber e que terá sido um judeu refugiado em casa de seus avós durante a 2ª Guerra Mundial.
Sors é uma personagem sui generis, um pintor que pinta olhos. Olhos fechados e olhos abertos. E que reflecte sobre o desenho, a arte e a vida de forma muito particular como na altura em que fala de:
"... um plátano que se despia no Inverno como se o frio lhe fizesse calor."
A aparente "naifeté" desta escrita resulta de uma sólida cultura literária, filosófica e artística e de um raríssimo sentido de ironia como na voz de uma personagem que afirma que:
"... que a metafísica sem duas pessoas a gritar não passa de ciência exata como a matemática".
Do prazer da escrita ao prazer da leitura vai um passo. Digo eu. E se esta afirmação pode nem sempre ser verdade, neste caso é-o plenamente.
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