segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Duzentos ladrões



Duzentos ladrões é, salvo engano, a mais recente coletânea de contos do escritor curitibano Dalton Trevisan. Sempre fiel ao gênero, e frequentemente repetindo a experiência dos "micro" contos dos 111 AiS de 2001, Trevisan procura neste livro a essência das situações através de mínimos recursos literários. O ordinário, o patológico, a violência doméstica, as desiluções e suas consequências e o submundo são os elementos fundamentais desta experiência literária que poderia ser encarada como um ensaio sobre a maldade humana, ou sobre a humanidade sob condições de grande precariedade material e psicológica. 

Em muitos dos breves contos, o autor personifica os seus personagens em discurso directo. Personagens rústicos que se exprimem por meio de um sociolecto minimalista, sem regras gramaticais ou concordâncias, mas que é sem sombra de dúvida a "vox populi" do Brasil contemporâneo. 

Mas para quem na adolescência leu com avidez coletâneas como a Guerra Conjugal e o Vampiro de Curitiba, entre outras tantas, e viu por meio destas o retrato sem retoques duma realidade incômoda e perturbadora, fica uma pergunta fundamental, ainda que a reflexão pareça despropositada. Procura o autor a depuração de um estilo ou trata-se do declínio das suas capacidades narrativas? Muito provavelmente, é impossível sabê-lo ao certo, pois um escritor é necessariamente uma "antena" do seu tempo, um arauto do real e do possível, principalmente quando a realidade não é agradável à vista e ao coração. 

Com certeza, a ironia tão típica de Trevisan, continua intacta nesta coletânea. Exemplo disto é o curtíssimo conto: 

No velório 

No velório, a viúva:
- O que separou a gente foi a morte.
- Coragem, Maria.
Um longo suspiro
_ A vida dele acabou ...
- ...
- ... e a minha hoje começa!


E também permanece a ubiquidade do escritor, que perspicaz não admite que nada lhe escape à sua mirada, ao seu olhar analítico, pois basta-nos recordar uma breve passagem de O Vampiro de Curitibapara entender a premissa fundamental da obra de Trevisan:

"O que não me contam, eu escuto atrás das portas. O que não sei, adivinho e, com sorte, você adivinha sempre o que, cedo ou tarde, acaba acontecendo."


Orfeu B.


2 comentários:

Anónimo disse...

"com sorte, você adivinha sempre o que, cedo ou tarde, acaba acontecendo."

e não somos nós quem nos conduzimos a tudo, ou quase tudo, o que nos acaba acontecendo?

um abraço,
Verónica

Anónimo disse...

Dalton Trevisan é sempre uma boa leitura. Legal ler um post sobre ele...