As edições Tusquets, de Barcelona, publicaram recentemente uma obra de Cristina Fernández Cubas, “Todos los cuentos”. É uma obra notável, que agrupa cinco livros da autora, com um total de vinte contos. Cinco livros, um panorama do universo contístico de Cristina Fernández Cubas, em que a sociedade espanhola contemporânea é caracterizada sob múltiplos aspectos, nomeadamente através de figuras femininas que são o eixo central de quase todos os seus contos. Personagens femininas magistralmente enquadradas na estrutura da história, a sobreporem-se às masculinas, reduzidas a uma função contrapontística, a valorizarem o apuro emocional, sentimental, das mulheres. E, o que é curioso (e talvez sintomático), as figuras masculinas mais conseguidas têm um toque de feminilidade, que, embora as não efeminize, as aproximam do que é essencial ao universo feminino. E surge a eterna questão: só os escritores de um determinado sexo é que “sabem” escrever sobre personagens do seu sexo? A questão posta nestes termos parece ter uma resposta óbvia, mas, na verdade, não é assim, tantos são os casos em que esta suposição não se confirma.
Os contos de Cristina Fernández Cubas, construídos à volta de figuras femininas, têm, quase sempre, uma forte dimensão social, pois, através deles, temos acesso a múltiplos “cenários do quotidiano, perfeitamente reconhecíveis, nos quais” – diz a autora – “no momento mais imprevisto, aparece um elemento perturbador”. Elemento que confere uma intensidade narrática, em que o insólito, o oculto, o obsessional, passam a desempenhar um papel primordial no desenrolar da acção.
Se a maior parte dos contos tem como cenário o jogo de emoções, de sentires, de fazeres, de personagens integradas na sociedade espanhola, alguns há que se centram à volta de personagens femininas a viver, episodicamente, em meios, em países distintos. Quando assim acontece, a acutilância, a finura de caracterização psicológica dessas personagens ainda se torna mais evidente.
As limitações de um blogue não me permitem uma análise minuciosa dos 20 contos, que ocupam 500 páginas, por isso, limitar-me-ei a citar dois deles, “Ausencia” e “El moscardón”. No primeiro, relata-se a vida de uma freira, que, ainda menina, entrou num convento e dele não mais saiu. Descrição espantosa, a denotar um grande conhecimento da vida conventual e uma sensibilidade apuradíssima das relações que um universo concentracionário engendra. No outro, “El moscardón”, mergulhamos no ambiente sufocante da casa de uma velha senhora, que teima em viver sozinha e vai sofrendo um processo de deterioração psicológica, em perda crescente da função do real. Um conto que é um requiem por todos nós, os que caminhamos para um fim, que tem tanto de próximo como de evidente.
Releio o que acabo de escrever e surge-me uma dúvida: ficará o leitor com a ideia de que os contos de Cristina Fernández Cubas constituem outras tantas tragédias? Não, de modo algum: são textos plenos de vida, em que o humor e a simpatia por tudo o que ao humano respeita têm um lugar central. Contos vertidos numa linguagem de grande precisão e rigor, que nos fazem sentir mais lúcidos, mais dignos.
E, uma vez mais, faço um apelo aos nossos editores: publiquem, difundam, obras tão admiráveis quanto esta.
Sem comentários:
Enviar um comentário