Menina Olímpia e a sua criada Belarmina é um conto de José Régio, publicado nos anos quarenta e inserido em livro seu intitulado "Contos". É uma história portuense, que descreve as andanças da Menina Olímpia pelas ruas da cidade, seguida de perto pela criada Belarmina. Figuras características do Porto em finais dos anos trinta, inícios dos quarenta, que eu ainda conheci, na minha meninice. A Menina Olímpia vestia espalhafatosamente, roupagens de outras épocas, eivadas de rendas, de folhinhos, de tafetás, de peles que teriam pertencido a alguma raposa. Verão e Inverno, quase as mesmas indumentárias, usadíssimas, quase esfarrapadas, de cores que tinham sido berrantes. Uma demonstração pública do seu desequilibro mental e da sua decadência social - o "espantalho" dos garotos que a seguiam a distância. A criada, essa, quase mendiga.
E a propósito dessas figuras, Régio faz-nos percorrer ruas, largos e praças do burgo comercial (e residencial), faz-nos, inclusivamente, entrar numa "ilha" portuense - pessoas, hábitos e falas. Para mim, portuense que sou, o conto tem em encanto especial, pela revivescência de uma época, por esse encontro com um passado longínquo. Mas, para além desse encanto, também me causou um certo mal-estar: o texto é extremamente datado. Esse texto e os restantes que constituem o livrinho, em que se insere. Esteticamente, pertencem a outra época, mais perto de Camilo Castelo Branco (escritor maior da cidade do Porto), do que das literaturas do nosso tempo. E esta constatação fez-me reler parte da poesia de José Régio e alguns dos seus ensaios, como o "António Boto e o Amor". E surpreendi-me por não encontrar, neles, a mesma "patine" do tempo. Será porque o Régio é um contista menor, se comparamos os seus contos com a sua obra poética, ensaística ou dramatúrgica? Não creio que esta seja a explicação, mas, sim, uma outra: se todos os géneros literários evoluiram rapidamente nos últimos sessenta, setenta anos, aquele cuja evolução é mais acentuada é, sem dúvida, o da narrativa ficcional. E por uma razão que se me afigura clara: é o género que melhor expressa o nosso viver quotidiano, feito de comportamentos, de atitudes, de valores. É, pois, o género que nos dá a dimensão da nossa actualidade. Se assim é, não será a "velhice" do texto literário que está em causa, mas, sim, a nossa falta de capacidade para sairmos da "modernidade" em que nos situamos, ou seja, a nossa incapacidade de aderirmos a algo que já não é do nosso tempo. E isso é mais notório na narrativa ficcional, romanesca, do que no texto poético, pela proximidade da primeira com a "narração" que nós, constantemente, elaboramos (pelo menos, para nós próprios) da nossa vida quotidiana.
De um modo ou de outro, o melhor será, cada um de nós, concluir por si próprio da justeza das questões que formulo, lendo o livro de José Régio, que se encontra disponível em edição das Publicações Europa-América.
Sem comentários:
Enviar um comentário