quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O SENTIDO E A AUSÊNCA DE SENTIDO



Pintura também faz parte da leitura. E de que maneira. Vem isto a propósito de uma enorme e fantástica exposição no Palácio Galveias de João Abel Manta.

Grande senhor da cultura e da arte, João Abel Manta vive há muito retirado dos holofotes, dos jornais e das miudezas sociais. Desenhador, ilustrador e cartoonista, João Abel Manta, por insistência da filha, deu agora a conhecer parte do seu excepcional trabalho como pintor.

Está no Palácio Galveias em Lisboa, ao Campo Pequeno. Guarde-se um bom par de horas para o apreciar porque é de uma imensa coerência, densidade e extensão. Imperdível.



Vem esta conversa a propósito da busca de sentido em cada leitura que se faz do mundo, da arte e da vida, por um lado, e, por outro lado, do negócio manhosito que anda por aí a grassar e que faz profissão de louvar a ausência de sentido.

O Jornal de Letras de 16 de Dezembro traz uma reportagem/entrevista com João Abel e um artigo de Rocha de Sousa que reflecte e nos ajuda a ler a obra agora exposta e que, através de uma grande coerência formal nos leva a viajar por mitologias diversas, retratos de músicos, pintores e escritores que são reflexões plásticas sobre o fazer da arte e queainda nos atira à cara duas mortes de Salazar que têm algo de vingança tardia e retrato de um país onde a imagem reciclada do ditador continua a fazer algumas aparições fantasmáticas.

Tomando para si uma herança óbvia da paleta de Goya e, em parte, de alguns simbolistas e expressionistas, João Abel Manta trabalha sobre uma enorme teia de sentidos, de inter-relação de referências culturais, pictóricas, literárias, musicais, históricas e mitológicas, e assim acrescenta-nos na nossa sempre incompleta forma de olhar e ler o mundo e a história.



Curiosamente, ao lado das quatro páginas dedicadas a João Abel Manta, temos uma página dedicada à edição da obra de Adília Lopes que tem por título "Dobra".

Da comparação das duas abordagenn à obra de um e à "Doba" da outra, nasce-me uma leitura sobre alguns equívocos que passam pela promoção daquilo a que se tem chamado a pós-modernidade nas artes plásticas e na literatura.

Muita da arte contenporânea dita pós-moderna existe pelo que não é. Ou melhor, para existir exige complexas elaborações teóricas sem as quais essas mesmas formas artísticas seriam com frequência absolutamente ilegíveis. Em certos casos, diria, a obra dita de arte chega mesmo a ser excedentária e dispensável.

Podemos, assim, opôr uma arte que se baseia em rebuscadas explicações e elaborações teóricas de comissários, curadores, críticos e outros avulsos, a uma outra arte que busca na raiz da história a forja do sentido.

O artigo em causa fala-nos da obra ou da "Dobra" de Adília como algo que "levado às suas últimas consequências não quer dizer exactamente nada". Fala da "despoetização dos seus poemas" e tece-lhe desatados elogios, ligando-a a uma delirante lista de autores e pintores que vão de Gil Vicente e Eça de Queiroz a Paula Rego ou Alexandre O'Neill.

Por imensas razões poderia questionar a pertença da autora a esta sequência um pouco arbitrária de nomes respeitabilíssimos.

Refiro apenas O'Neill, curiosamemte grande amigo de João Abel Manta, e que era, quanto a mim, o oposto de Adília Lopes: um homem cuja obra é uma fantástica fábrica de produzir sentidos.

Ele próprio denunciava certas ligeirezas, perguntando num poema aos seus colegas poetas se não estariam a exagerar "no fabrico da faca sem lâmina a que lhe falta o cabo"...

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