quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

QUE VIVA A LITERATURA QUE NOS DÁ PRAZER




A propósito do novo livro de Dan Brown, recordei-me do texto que escrevi, faz alguns anos, sobre o seu “Código Da Vinci”.


A propósito do valor literário que Alberto Manguei confere às obras que contam histórias, quero referir o livro de Dan Brown, "O Código Da Vinci". Li-o em poucos dias, o que, para mim, foi proeza notável, visto a obra ter mais de quinhentas páginas (na edição portuguesa). E essa leitura permitiu-me compreender a razão do seu êxito – êxito clamoroso, tanto nos Estados Unidos da América, como nos países da Europa (Portugal, neles compreendido). De facto, estamos perante uma história bem contada, que tem início no assassinato do conservador chefe do museu do Louvre e que se desenvolve segundo as regras do romance policial, em que cada capítulo constitui uma peça de um "puzzle" complexo e nos incita a passarmos ao capítulo seguinte, ou seja, à pedra seguinte do "puzzle", que dê sentido ao enigma em que nos vamos enredando.
O tema central é aliciante: a revelação dos segredos que envolvem a vida e a pregação de Jesus e o escamoteamento que a Igreja Católica Apostólica Romana teria feito, ao longo dos séculos, de tudo o que se refere à presença do elemento feminino na doutrina cristã – presença imprescindível à compreensão da mensagem de Cristo, na opinião de Dan Brown. Segredo, segredos que, no entanto, teriam sido preservados, desde tempos imemoriais, por figuras de eleição e por certas instituições, como é o caso da ordem místico-religiosa dos Templários. Leonardo Da Vinci seria, exactamente, um dos iniciados em tais secretismos e, ao longo da sua obra pictórica, ter-nos-ia deixado pistas várias, que permitiriam a sua revelação. Entre essas obras, avulta "A Última Ceia de Cristo", que, através das personagens que a compõem, nos colocaria na senda da decifração de um dos mistérios que mais têm inflamado a imaginação do homem ocidental: a demanda do Santo Graal!
Eis, em linhas gerais, a trama e os ingredientes de que é feita a obra. Mas há mais e será nesse mais que reside o que ela tem de singular – e cativante. Por exemplo, o crime de morte que desencadeia a acção gera dois "inquéritos": o policial e o que é conduzido por um professor americano, perito em simbologias, que, por via disso, é considerado o suspeito número um - o que o leva a empreender a fuga. A ele se agrega a neta do conservador, que guarda memória de algumas conversas com o avô, o que se revela de grande utilidade para a compreensão do que se teria passado. Estas duas investigações, opostas nos métodos que utilizam, vão-se mutuamente imbricando, por força das circunstâncias, o que confere um interesse acrescido à narrativa. Narrativa pontilhada por uma série de imprevistos, mortes, que adensa o mistério e apelam à imaginação do leitor. Este apelo ainda é mais evidente nas questões que lhe são postas, através de uma complexa orquestração "charadística" da acção (e de uma utilização permanente de onomásticos de raiz anagramática), o que exige uma dupla participação do leitor: enquanto "construtor reflexivo" do texto e sujeito moral que tem de "tomar partido". Por isso e pelo sentido eminentemente visual da narração, "O Código Da Vinci" apresenta fortes semelhanças com a obra cinematográfica (e, até, com algumas telenovelas). Semelhanças que se acentuam com a organização da acção por núcleos temáticos, que funcionam como registos autónomos (cada capítulo - curto - encerra um episódio específico e um conjunto de capítulos narra uma história dentro da história).
Poderemos dizer que os grandes temas abordados (profano versus sagrado; pagão e cristão; poder e prepotência da Igreja Católica; desvalorização e subordinação do feminino), são tratados de modo simplista, ingénuo, preconceituoso, confundindo-se constantemente a realidade com a fantasia, a História com a lenda – poderemos, pois, dizer tudo isso, mas não poderemos deixar de nos deliciar com o encanto que emana de urna história muito bem contada. Com Alberto Manguel, direi: que viva a literatura que nos dá prazer, seja ela qual for!

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