sábado, 29 de janeiro de 2011

QUASE SEMPRE QUASE TUDO



Será um lugar comum mas a verdade é que a literatura faz-nos viajar tanto no espaço como no tempo.

Com os romances policiais nórdicos comecei a tentar entender o sentido da social-democracia nórdica bem como a influência no quotidiano dos suecos, noruegueses, dinamarqueses, da moral do luteranismo que é tão distante da nossa moral estruturada em torno da tradição católica.

Quando pensamos na Alemanha do nazismo e na Alemanha actual, balançamos entre dois paradigmas e muitas vezes deixamos de parte o período que se segue à capitulação da Alemanha face aos exércitos aliados e ao exército russo.

É um tempo de humilhação, de reconstrução e de estupefacção quando os alemães são colocados indesmentivelmente perante o delírio nazi e a monstruosidade do holocausto.

É um tempo em que os sobreviventes de dedicam a reconstruir um país destruído em todos os sentidos, a procurar a cura para as tremendas feridas recentes, a enfrentar o julgamento dos criminosos de guerra e das cumplicidades que se conjugaram para permitir esses crimes, a fazer acertos de contas por vezes necessários, por vezes profundamente mesquinhos, e a assistir ao choque obscuro de forças e interesses muito diversos e ferozes,.

Li em tempo alguns dos notáveis romances de Heinrich Boll que muito bem aborda este período em que os alemães têm de reaprender a rever-se ao espelho e a reconstruir um país abalado

É neste período que se situa o romance do escritor britânico Philip Kerr. Romance policial que se inicia na esteira de Dashiell Hammett ou Raymond Chandler, mas que, no entanto, se vai despindo ´do desenho clássico dos policiais negros para esgravatar na superfície de uma investigação relativamente banal e mostrar-nos uma teia de lutas subterrâneas e inesperadas cumplicidades entre forças aparentemente contraditórias: árabes, judeus, nazis fugidos, vingadores obsessivos, polícias secretas, redes clandestinas…

Sem piedade, Kerr fala-nos dos horrores levados a cabo pelos médicos nazis nos campos de extermínio e mostra também como a desumanidade se prolonga nas estratégias das outras grandes potências que, sem remorsos de qualquer espécie, recebem e escondem esses monstros que trabalharam à sombra da “solução final” e com a sua colaboração vão desenvolver a ciência ou a medicina das grandes potências.

Se bem que a denúncia destes crimes possa ter qualquer coisa de um certo folclore do horror, a verdade é que é preciso guardar preciosamente essa memória para sabermos que o homem é capaz do melhor mas também do inimaginavelmente pior e que todos os poderes são sempre O Poder e o poder justifica quase sempre quase tudo.


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