sábado, 8 de janeiro de 2011

Tiro no pé



Hoje eu abandono meus óculos e me entrego a um tato incerto de teclado não decorado, de risco de não salvar, de gravar num lugar impróprio os caracteres da cegueira incompleta, da pontuação enigmática ao sonho que se basta (e falha), à consciência que já não acesso. Só um teclado preto inflamado por brasas que derrubo sem notar, letras dispersas sem padrão: eu imagino o nada e me deixo levar, temporária. Eu pressinto as rugas, livro o ralo dos cabelos, leio obediente os rótulos formatados, respiro a capacidade de meus pulmões enegrecidos enquanto o martelo da reforma vizinha marca o passo alheio ao qual me rendo já sem entusiasmo, escrevo pra não ler o lento decifrar do sofrimento, eu me envergonho e me calo enquanto compactuo. Eu me envergonho e me condeno a um novo cigarro resignado, me condeno a sobreviver por um tempo indefinido.

DKB

Suponho que num blog sobre livros haja espaço para se comentar textos literários que ainda não tenham ganho a forma de livro. Assim, permitam-me antecipar o tempo, presumivelmente inevitável, quando os autores preferirão usar a rede para externar as suas inquietações e não sentirão o peso da história que os impele a se exprimirem por meio dos livros. Autores sem a vaidade dos livros, autores que lúcidos não têm a paciência para aturar o capricho de editores/empresários/sacerdotes do banal, autores que resistem à transformação da arte de exprimir ideias e sentimentos em artigos de supermercado, autores que almejam mais que ser artífices dum objecto cujo valor não vai para além do código de barras que o identifica enquanto mercadoria.

Assim, impregnado por este espírito futurista, permito-me chamar a atenção dos leitores para uma voz que na blogesfera se sobressai pela sua originalidade, pela densidade humana de suas indagações, e sobretudo pela coragem de sua autora em expor as suas fragilidades sem qualquer reserva. Refiro-me a um blog, que sem pretensões, presenteia-nos de forma não de todo regular, com um conjunto de textos que são sempre estimulantes e, acima de tudo, profundamente humanos. Visitando o Tiro no pé, o leitor encontrará textos originais, citações, vídeos, que criam um ambiente multifacetado e impregnado duma comovente delicadeza feminina. No Tiro no pé, o leitor poderá testemunhar a evolução humana e literária duma nova voz da língua portuguesa, uma voz brasileira, urbana, feminina, mas universal na sua sinceridade e propósito, intemporal na pureza de sua poesia e estilo.

Orfeu B.

1 comentário:

Anónimo disse...

Orfeu,
sinto-me imensamente honrada com seu texto e com a delicadeza de suas considerações. Só tenho a agradecer!
um grande abraço,
Danieli K. B.