"A fotografia é um grande mistério. Tu fazes uma foto e automaticamente essa foto pertence ao passado. E isso é algo de espantoso." Isto diz-nos Carlos Saura, o cineasta espanhol, em entrevista concedida a "El País". E acrescenta: "A fotografia mudou o ser humano, porque obrigou-o, de algum modo, a ver-se a si mesmo, a ver os lugares, as cidades, as pessoas. É uma informação que o homem nunca tinha tido até aparecer a fotografia."
Vindas de quem vêm, de um homem que fez da imagem a razão de ser da sua vida (e da sua arte), estas afirmações têm um valor acrescido, nomeadamente pela autenticidade de que se revestem. Na verdade, a fotografia constitui um novo instrumento para o ser humano construir (e reconstruir) as suas narrativas. Quando desfolhamos os nossos álbuns, estamos a reinventar o nosso passado, o que fizemos e o que sentimos, o que pensamos, o que podíamos ter sido e não fomos. Desejo e morte. Nós e os outros. O passado reinventado nos lugares, nos gestos, nas posturas. No sorriso, nas vestes, no olhar. O passado-presente em revivescência. Ternura e mal-estar, devaneio.
Mas as fotografias não concitam apenas as nossas narrativas pessoais, elas são, também, um poderoso afrodisíaco literário, que tem levado ao aparecimento de grandes narrativas na literatura do século XX. Para muitos escritores, transformaram-se, mesmo, em estimulante imprescindível ao seu processo de criação.
A fotografia é um mistério? Sim, sem dúvida, um mistério, um grande mistério, Carlos Saura!
Albano Estrela
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