quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ESCRITOR, UMA PROFISSÃO DE ALTO RISCO




Escritor, uma profissão de alto risco

Agora, que o livro do escritor italiano Roberto Saviano foi traduzido para espanhol (Gomorra: viaje al imperio económico y al sueño de dominio de la Camorra, ed. Debolsillo), a imprensa espanhola tem multiplicado as referências a esta obra. À obra e ao filme (Gomorra) que Matteo Garrone realizou a partir da obra literária. Livro e filme que são uma denúncia das actividades que a Camorra napolitana tem levado a cabo na sociedade italiana. Denúncia que engloba as ligações daquela organização ao mundo dos negócios e da política, bem como os nomes dos seus membros “infiltrados” nos partidos políticos italianos (com predomínio para os da direita). E, dizem as crónicas, que não teria sido apenas isso que originou a sentença de morte proferida contra Saviano. Teria sido também o poder da sua escrita, portadora de uma “força torrencial”. Fico, pois, a aguardar a publicação da obra em português, para ver se assim é…
Diz-se que estas condenações à morte, proferidas pela Máfia, são irreversíveis, não podendo, pois, em caso algum, ser revogadas, como aconteceu com Rushdie, condenado à morte “apenas” por blasfémia e, posteriormente, “perdoado”. E creio bem que seja assim, pela mais evidente das razões: Saviano cita nomes e actividades daqueles que “têm” de ficar ocultos. Quando tal acontece, só há uma solução: a eliminação física do que quebrou o “pacto de silêncio” – para que sirva de exemplo.
Foi o que aconteceu com Trumam Capote, o autor do admirável “A Sangue Frio” e de alguns contos absolutamente perfeitos (veja-se a sua obra “Contos Completos”, editada pela Sextante), irrevogavelmente “condenado” à morte. Capote pretendia escrever uma saga da “alta” sociedade americana do seu tempo, à semelhança do que Proust havia feito. O plano da obra foi elaborado, os editores avançaram com os respectivos adiantamentos. Mas, como a obra demorava a aparecer, Capote viu-se coagido a ir publicando alguns dos textos que já havia escrito. Ora, nesses textos, ainda em fase embrionária (veja-se a obra “Súplicas Atendidas”, editada pela D. Quixote), estavam retratadas muitas das pessoas (tudo gente bem conhecida) com quem ele havia privado – nomes, desvarios e escândalos devidamente explicados. Resultado: ninguém mais quis contactos com ele. Votado ao ostracismo, Truman Capote, para quem a vida em sociedade era tão necessária como o ar que respirava, foi entrando no consumo do álcool e das drogas, acabando por soçobrar aos 60 anos de idade. Há muitas formas de condenar à morte um homem: levá-lo ao suicídio por degradação física e mental é apenas uma delas, mas uma das mais conseguidas, pelo seu elevado grau de eficácia.


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