domingo, 23 de novembro de 2008

A POESIA É OUTRA COISA




Num suplemento literário de “Le Monde” (“Le Monde des Livres”), deste mês, vem publicada uma recensão a um livro organizado por Gérard Pfister, “La poésie c’est une autre chose” (Ed. Arfuyen). Nessa obra, o autor compila “1001 définitions de poésie” (na verdade, parece que não são tantas…) e, através delas, procura caracterizar a poesia e o acto poético. Tarefa a que se têm devotado não só teóricos da literatura, mas também poetas – e que sempre têm fracassado. Alguns, e eu talvez esteja com eles, consideram que a poesia não é literatura. Ao afirmá-lo, não estão a resolver a questão, mas a complicá-la: se não é literatura, o que é, então? Entre as opiniões e as citações que Pfister transcreve, gostaria de destacar as seguintes:

Para Rimbaud, o poeta é um mágico, um “vidente”, que tem “a capacidade de ir para além dos seus limites naturais”:
Cocteau, por sua vez, diz que “o poeta recorda-se do futuro”;
Algo de semelhante é afirmado por Saint-Pol Roux, para quem “a árvore da poesia mergulha as suas raízes no futuro”, e, na mesma linha, fala da poesia como uma “feitiçaria evocatória”;
Bachelar refere-se à poesia como fonte de sabedoria “os poetas são os verdadeiros mestres do filósofo”;
Uma das mais belas citações é a de André Bouchet, para quem “a poesia é esse nada – mas um nada que anula o resto”.

Estas e outras citações vieram acrescentar algo ao “prefácio” que eu tinha acabado de escrever para o livro de Ana Viana, “Murmúrios de um lugar branco” (no prelo), no qual eu me referia ao seu livro (de prosa poética) como uma abertura ao mistério. Lugar “branco” que, para Claudel, “não é apenas uma necessidade material, imposta pela página, mas a própria condição da sua respiração”.
Ainda na esteira de Claudel (e de Péguy), Jean Bastaire fala da poesia como o lugar da “palavra essência liberta do ruído”, ou de “um silêncio que fala”.
De outras paragens e de outras culturas vêm-nos outras abordagens. Assim, o poeta e ensaísta Ernesto de Melo e Castro, ao referir-se ao acto poético, cita o poeta brasileiro Décio Pignatari, para quem a poesia não é literatura, mas sim “cocaína em estado puro”. Citação que ele corrobora e aprofunda.
Na verdade, a poesia é tudo isso e ainda muito mais. Felizmente que há leitores para todas as dimensões sob as quais se apresenta este mistério, que, à falta de melhor designação, apelidamos de poesia.

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