sábado, 17 de janeiro de 2009
ENTRE A REALIDADE E A FICÇÃO
Verdade e ficção de mãos dadas. O livro é a história da vida e morte de S. que todos sabemos tratar-se de Snu Abecassis, o grande amor de Sá Carneiro que, aliás, morreu com ele no terrível desastre de Camarate. No entanto, S. não é Snu. Miguel não pretendeu fazer uma reportagem. Pretendeu, isso sim, dar um retrato breve do Portugal dos anos 60, atraés de uma estrangeira que aqui desembarca por amor, que se desilude e que encontra o fogo do amor maior.
É belíssima a técnica de Miguel Real que consegue com rara elegância fazer um exercício difícil: pegar a história de Snu Abecassis, manter uma narração próxima da verdade apenas nos minutos que antecedem a queda do avião com Sá Carneiro, e desenhar uma poderosa figura feminina ancorada na realidade mas desenhada na ficção, uma nórdica, educada para ser emancipada e o seu choque com o Portugal salazarista e a riquíssima família judia do marido.
A magnífica escrita barroca e excessiva de Miguel Real aparece aqui um pouco vigiada já que que o tempo histórico talvez fosse dado a um tom menor. E também porque o balanço entre realidade e ficção requereria um cuidado grande para que a narrativa surja credível (com algo de reportagem televisiva, quase) sem deixar de fazer um belo mergulho na alma humana nomeadamente na forma elegante e incisiva como trata a sensualidade de S.
Um momento tocou-me especialmente: o embarque dos soldados para África, narrativa certeira e pungente, retrato duro de um país atrasado e grosseiro e metido entre baias como gado para o matadouro.
No geral, o trabalho do Miguel Real é particularmwente louvável, escapando muito bem às duas grandes armadilhas previsíveis de um projecto como este e que eram, uma, a de se agarrar demasiado á verdade, outra, de se afastar completamente, criando uma ficção que apenas se sustentaria no nome de Snu apenas por critérios comerciais.
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