terça-feira, 28 de abril de 2009

HISTÓRIA SECRETA DE UMA NOVELA



Na Feira do Livro de Lisboa de 2005, encontrei um livrinho de Vargas Llosa, "História Secreta de uma Novela", editado pela Assírio e Alvim, em 1973. Nessa obra, o autor descreve o processo de construção da sua novela, "A Casa Verde". Processo que se desenrolou entre 1962 e 1965 e, durante o qual, experiências, imagens, sensações foram sofrendo transformações graduais, de cujos mecanismos nem o próprio autor teve consciência. Enfim, um processo de secretas alquimizações, um repto para a capacidade de análise, de auto-análise de Vargas Llosa. E, assim, pouco a pouco, foram sendo descortinados alguns dos elementos constitutivos, algumas possíveis combinações daquele "puzzle".
Este mergulho no passado - no seu passado - é algo de fascinante: histórias várias, acontecidas em momentos e lugares diferentes, indiciam os mecanismos de sobreposição, de reinterpretação e de fusão, a que foram submetidas, para darem lugar a uma narrativa totalmente autónoma. O que só é possível pela palavra escrita (o mistério da palavra escrita), que confere uma outra realidade às histórias vividas - a realidade da narrativa literária. Estamos, pois, perante o fenómeno da criação literária, no qual o tempo (o tempo das memórias ou as memórias do tempo?) tem um papel decisivo. O que se esquece e o que se retém? Como se opera a selecção de imagens, de sensações? Porque é que o que estava esquecido - aparentemente esquecido - surge, imprevistamente, à consciência? Qual o fio condutor que atravessa o nosso não-consciente e permite associações do que não tinha qualquer ligação entre si? Porque é que a escrita é mais do que o escritor? Se o escritor é o depósito de vivências, de lugares, de situações - e de personagens -, a sua escrita é um processo verdadeiramente autónomo (que não respeita a ordem, a lógica da experiência pessoal), pelo qual ele - o autor - se redescobre, mas no qual não se reconhece. Enfim, uma história secreta, onde o autor é apenas um meio de que os deuses se servem para comunicar com os mortais? Se outra "explicação" não houver, talvez esta nos possa servir, o que já não será mau, pois, ao nada explicar, guarda, em si mesma, toda a beleza, todo o mistério de que, em caso algum, a criação literária pode prescindir.

Sem comentários: