quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Margem da Ausência



O dia amanheceu triste, com aves naufragando na brancura do espaço e sinais de ausência à minha volta (lá fora também), os caixilhos da janela corroídos pelo salitre; em baixo na praia, a solidão soprando, ainda leve, sobre a água encrespada.

E a tua vinda sempre diferida. O grito de luz do teu olhar já não me aquece, falta-me a cumplicidade da tua mão tão pequena e tão lisa na minha mão ossuda e com veias salientes. O desejo enche-me as noites, quando não escuto as palavras do vento, e tu não voltas. 

Urbano Tavares Rodrigues

Poucos na ficção contemporânea portuguesa escreveram com a clareza e a lucidez de Urbano Tavares Rodrigues. A sua escrita comprometida com os problemas do nosso mundo, mas dotada de grande lirismo, conferem-lhe um lugar único no panorama das nossas letras. 

Margem da Ausência é, para além dum notável exemplo de prosa poética, um livro de grande beleza estética por conta da composição gráfica de João Machado e das magníficas fotografias de Carlos Melo Santos e Fernando Curado Matos. É óbvio que a prosa de Urbano Tavares Rodrigues poderia prescindir destes acrescentos, pois desenvolve-se com a fluidez que lhe é característica, espelhando com uma fidelidade assombrosa a universalidade dos sentimentos e a natureza última das nossas angústias. Na Margem da Ausência, a dolorosa espera, a deriva da dúvida, o fluir das horas são vivenciados através dos elementos e da evolução dos sentimentos; os estados mutantes de alma, são descritos pelo barómetro duma escrita célere e elegante.  

Naturalmente, não é necessário de todo cingirmo-nos a este texto em particular de Urbano Tavares Rodrigues, para capturar a profundidade e, ao mesmo tempo, a simplicidade da sua abordagem, a humanidade da sua visão do mundo. Saberão os críticos enumerar e discutir as suas obras mais relevantes; posso apenas afirmar que tive a oportunidade de ler vários dos seus livros, sobretudo os mais recentes, e nestes reconheço um estilo, um comprometimento com a realidade da existência que julgo serem marcantes e inesquecíveis. 

Finalmente, eu não posso deixar de referir que o breve conhecimento pessoal que tive do escritor permitiu-me vislumbrar um homem de rara sensibilidade, que vivia em perfeita sintonia com as suas convicções, e que era dotado de uma extraordinária generosidade.  

Até sempre, Urbano Tavares Rodrigues.

Orfeu B.



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