sábado, 4 de outubro de 2008

“A NEBLINA DO PASSADO” de LEONARDO PADURA



De vez em quando faço uma estadia nos policiais como quem vai a águas. Li há dias um da francesa Fred Vargas. Não fiquei profundamente entusiasmado. Seguiu-se um Maigret (A Taberna de Dois Vinténs) para repôr os índices de confiança no género.

Aproveito para falar de um dos meus preferidos: o cubano Leonardo Padura.

Estão vários livros dele publicados em Portugal. Tenho-o seguido com prazer. A sua escrita anda dentro da matriz em que se enquadram o Pepe Carvalho de Montalban e o Montalbano de Camilleri, entre outros. Há dois que me tocaram particularmente, "Morte em Havana" e "Adeus, Hemingway". Hoje falo de "A neblina do Passado".

É uma espécie de bolero melancólico, apaixonado, decadente. A escrita de Padura é assim. Envolve-nos. Parece que nos ignora e de repente percebemos que estamos presos na malha do escritor, que nos identificamos com o seu personagem, Mário Conde e as suas intuições, a sua dignidade e os seus lamentos. E parece que somos amigos e dávamos tudo para estar ao lado daqueles amigos excessivos e trágicos de Mário Conde, ex-polícia, homem de princípios inabaláveis que põe a amizade e a ética acima de tudo o mais.

Nos seus livros, Padura critica claramente o regime cubano pela sua decadência, pela miséria e pela corrupção. Mas ercebemos que é um homem que não quer voltar atrás embora tenha muito pouca fé no futuro.

A narrativa é musical, saudosista, mergulha no passado para nos falar de uma Cuba onde a história deixou muita gente nas pregas dos seus desejos e onde as memórias ainda podem ser escaldantes e perigosas.

Padura continua a sua magnífica personagem, Mário Conde, que bebe demais, faz grandes jantaradas com os amigos quando tem dinheiro, que é de uma incorruptível fidelidade aos seus princípios e à sua amante, Tâmara, que adora livros, sonha ser escritor, encontra-se em sonhos com Sallinger, o seu escritor preferido, e que se apaixona por uma voz que vem do passado num único disco de vinil.

É como se o autor se dirigisse a nós, leitores, e nos arrastasse para a pista de dança quando a pesada noite tropical nos envolve e as palavras nos convidam para o veneno de um bolero. Que mais se pode querer?


2 comentários:

Paulo Ventura disse...

Caro José Fanha,
Sou também um leitor apaixonado de Leonardo Padura, tendo lido tudo o que foi publicado dele em Portugal. Adorei o seu texto sobre "A neblina do passado", belo e profundamente certeiro para quem já leu o livro (o meu caso) e que desencadeará entusiasmo mesmo entre os mais preconceituosos relativamente a policiais. Pergunto-me, no entanto, se estes livros são policiais verdadeiros. Não me parece: estamos perante literatura muito boa guiada por um enredo, muitas vezes, vagamente policial.

Madalena S. disse...

Li este livro em dois dias de férias, ia o Agosto a meio e o sol, provavelmente por via dos CO2 e quejandos, escondia-se envergonhado e afastava qualquer ideia balnear.
Em consequência, arrastava eu os fundilhos e a depressão estival pelo sofá, quando pensei em tirar da estante uma das minhas últimas aquisições e, quase ao acaso, peguei neste A neblina do Passado do Leonardo Padura.
Confesso que não conhecia o autor.
Nem sequer algum dia ouvira o nome. Comprei o livro com o objectivo de armazenar leitura própria para as férias, para misturar com a areia e a água salgada.
E afinal... que boa surpresa! Que bem que sabe ler Leonardo Padura.
Foi como viajar até Cuba e visitar Havana sem sair da minha sala.
Vou comprar os anteriores.
E estou de acordo com a opinião do Paulo Ventura. É preciso ter cuidado com os rótulos. Arriscamo-nos a passar ao lado de muito boa literatura.