domingo, 14 de dezembro de 2008

FINALMENTE AO DÉCIMO SÉTIMO...

Neste fim de semana tive de ir ao Porto de comboio e ocupei a viagem a ler cuidadosamente alguns jornais. De entre eles, destaco o suplemento de “O Público” intitulado “Ípsilon”. E, uma vez mais, gostei das recensões críticas a livros recentemente publicados. Independentemente de interesses editoriais que possam estar subjacentes à escolha das obras analisadas, considero que é meritório o esforço que o jornal faz de divulgar livros e autores. E recordei-me de um texto que escrevi, há alguns anos atrás, texto que passo a transcrever, pois estou em crer que ainda guarda alguma actualidade.

“Em ‘Le Monde’ de fins de Agosto de 2004 vem publicado um longo artigo sobre a ‘rentrée’ literária em França, que me deixou impressionado: prevê-se a saída de 661 novos romances, dos quais 440 franceses. Note-se que em 1994 eram ‘apenas’ 364... E dos 440 romances franceses, 121 são de autores que publicam, agora, a sua primeira obra. Enfim, um espanto para início de ano literário – apesar de tudo, números um tanto inferiores aos do ano anterior.
Como se poderá gerir esta massa enorme de obras, lançadas no mercado de uma só assentada? Quais os mecanismos de promoção seguidos pelos editores, pelos distribuidores, pelos autores? Ora, na opinião do jornalista (Alain Salles), só a conjugação de quatro factores poderá catapultar uma obra para o sucesso: apoio de uma grande editora; obtenção de um prémio literário; divulgação da obra nos meios de comunicação; permanência prolongada nas bancas das livrarias. É evidente que outros factores também poderão ajudar (e em muito) ao sucesso. Por exemplo, o autor (ou aquele que tem o nome na capa...) ser figura conhecida da televisão, do ‘jet set’, do futebol... E (por que não?) a obra ter algum valor literário e tratar de assunto de actualidade – factores que, estou em crer, de cada vez têm menos importância...
E, a corroborar o que dito foi, uma outra jornalista e crítica literária, Josyane Savigneau, fala-nos, em artigo do mesmo jornal, do caso de Alain Fleisher, romancista de excelência, que já publicou dezasseis obras, todas sempre preteridas pelos júris de prémios literários, que preferiram distinguir obras cuja notoriedade se extinguia no dia seguinte ao da atribuição do prémio. E Josyane Savigneau faz votos para que o último romance deste autor desconhecido, ‘La Hache et le Violon’, agora lançado, não soçobre no mar de indiferença em que se diluíram os seus dezasseis livros anteriores. E eu estou certo que sim, que, desta vez, a obra vai singrar, não fosse ela objecto de artigo de página inteira, no mais prestigiado dos jornais franceses...
A dificuldade de uma obra sair do anonimato conheço-a eu – e bem –, tanto como autor, como editor. Na verdade, o acesso à divulgação da obra não decorre do seu valor, mas de múltiplos factores, que nada têm a ver com o seu valor, pois os grupos, os ‘lobbies’, exercem um controlo dificilmente contornável. Mas nem sempre foi assim. Estou a recordar-me do que acontecia nos anos cinquenta, sessenta, em que havia críticos, que não só liam as obras, como procediam a recensões literárias de qualidade. Entre eles, há a destacar os nomes de João Gaspar Simões e Óscar Lopes. Mas outros também exerceram um magistério digno de menção, tanto em páginas literárias de jornais diários, como em revistas de cultura – Nuno Sampaio foi um deles. Todos, quase todos, esquecidos ou em vias de desaparecimento da memória do Portugal da Cultura.
Por vezes, leio algumas críticas – negativas – ao modo como João Gaspar Simões e Óscar Lopes exerceram a sua função de críticos literários. Ao primeiro, aponta-se o seu pendor impressionista, a ausência de um método ‘científico’ de análise de texto; ao segundo, Óscar Lopes, critica-se a utilização exclusiva de um determinado método – o materialismo dialéctico, presente em toda a sua obra. Admitamos que assim tivesse sido, mas que saudades, Deus meu, que saudades desses dois mestres e do magistério que exerceram durante dezenas de anos! Podemos discutir as ideologias que perfilhavam, podemos discordar dos critérios de análise literária que utilizavam, mas não poderemos – nunca – pôr em dúvida a sua independência, o seu labor, a sua competência, a sua vigilância. E quando for feita a história da crítica literária em Portugal, eles serão – tenho a certeza – nomes maiores a reter, a estudar. A servir de exemplo, espero.”

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