quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

UMA NOVA LITERATURA?


As formas literárias não são – nem nunca poderiam ser – coisa estanque. Evoluem com a sociedade e com os modos de comunicação que nela vão surgindo. Estas considerações – sábias e banais, como tudo o que é essencial – constituem a expressão do que senti quando li o livro de Luís Fernando Veríssimo, O Melhor das Comédias da Vida Privada (Edições D. Quixote). Luís Fernando Veríssimo, filho de um dos grandes romancistas brasileiros de meados do século XX, Erico Veríssimo, é alguém que cultiva um humor finíssimo, em que a ironia, quase sempre mordaz, é temperada por um toque de humanidade, a roçar a ternura. No livro a que me refiro, Veríssimo utiliza, sistematicamente, a forma dialogal. E fá-lo magistralmente, caracterizando situações e personagens, em retrato da classe média brasileira. São pequenos “sketches”, para serem lidos na rádio, na televisão. Trata-se, pois, de uma forma literária especialmente escrita para ter expressão oral, utilizando meios de comunicação indirecta, em que emissor e receptor não se encontram frente a frente. Ora, esta característica distingue-a de outras formas literárias de comunicação oral, como os “sketches” para serem ditos em espectáculos de variedades. Como o público receptor não se encontra presente, as suas reacções não são imediatamente percepcionadas pelo emissor, e esta característica, aparentemente de somenos, é essencial para a construção do texto, pois obriga-o a conter, em si próprio, uma força comunicacional específica, passível de transmitir a sua mensagem em diferentes situações, independentemente do emissor e do receptor. E quando essa mensagem se situa no plano do humor, mais difícil, ainda, será encontrar a justa medida. Daí, a minha admiração pelos diálogos construídos por Veríssimo. Os temas podem ser variados e múltiplos, mas a mestria é sempre a mesma. Mestria no modo de iniciar o texto, a “agarrar” o leitor; mestria no seu fecho, a dar sentido à história que se conta. Como exemplo, posso apontar o “Lixo” (pp. 82/5). São quatro páginas de um diálogo fabuloso, com utilização de frases curtas, só possíveis na linguagem coloquial de duas pessoas de um estrato social médio – um homem e uma mulher que se conhecem e se encontram na “área de serviço” dos seus prédios, com os respectivos sacos do lixo na mão, e que, assim, iniciam uma conversação (sobre o lixo de cada um...) que os irá conduzir – rapidamente, presume-se – a um relacionamento íntimo, ou seja, à união dos seus lixos... O ritmo do diálogo simboliza a rapidez da acção, que caracteriza o texto. Enfim, economia, eficiência, incisividade, erotismo, eis algumas das marcas mais evidentes deste modo de contar uma estória. Estória, estórias de pequenas e médias burguesias brasileiras. De burguesias e da vacuidade do seu viver quotidiano – expressão da falta de valores de uma sociedade urbana, que a todos impõe o seu toque de banalidade.

1 comentário:

Leonor disse...

Adoro a escrita de Luís Fernando Veríssimo. É sempre muito bom, cheio de humor e graça, a escrita irrepreensível.