J.-M. Le Clézio há muito que é considerado um dos nomes maiores da literatura francesa da segunda metade do século XX. Galardoado aos 23 anos com o prémio Renaudot, pelo seu livro de estreia, “Le Procèss-verbal”, terá de esperar 45 anos para que lhe seja atribuído outro grande prémio, o Nobel, em 2008 (note-se que, em 1980, a sua obra “Désert” tinha sido distinguida com o Prémio Paul-Morand, da Academia Francesa). O que é de estranhar em país tão pródigo em prémios literários, como é a França.
Francês das sete partidas, as dezenas de obras que publicou expressam muito da sua errância por terras e gentes várias, cadinho da mundivivência de que a sua obra é feita – o que lhe confere uma dimensão universal, que não retira um cunho pessoal a tudo quanto escreve: as personagens dos seus romances, das suas histórias, são a expressão das suas vivências de menino, de adolescente, de jovem adulto. Através delas e da sua evolução na teia da acção em que estão inseridas, entramos no seu universo, no que ele tem de mais íntimo, portanto, na pesquisa incessante de si mesmo. “Escrevo para tentar saber quem sou”, diz-nos em entrevista publicada na revista “Lire”, de Novembro último. E acrescenta: “Sou incapaz de falar de mim de outra forma que não seja a ficção”. Falar de si, sim, mas através de uma linguagem que aprisiona um mundo de emoções, de sentimentos, de desejos. O que é evidente em qualquer um dos seus livros traduzidos em português. De entre eles, não posso de deixar de referir “A Febre”, editado pela Ulisseia, não por ser uma das suas obras de maior relevo, mas por agrupar um conjunto de histórias, cujo tema foi tirado de uma experiência familiar, no dizer do autor. Histórias escritas nos primórdios da sua carreira literária, histórias relativamente curtas, histórias que me impressionaram pelo experimentalismo da escrita e pela exploração da “pequena loucura”, que vive dentro de cada um de nós.
Histórias que têm raízes no existencialismo francês, mais próximas de Camus do que de Sartre. Alguns dos temas centrais nas obras de estes autores são uma constante nos textos de Le Clézio: as obsessões; o pesadelo sem saída; a ruptura eminente; a inquietação verruminosa; a inutilidade do estar; a descida contínua para o nada.
Um autor “negro”, este Le Clézio dos primeiros tempos? Em parte, talvez. Mas só parcialmente, pois todas as nove histórias que constituem a obra tendem para um ponto de ruptura, que tanto poderá ser o início da descida sem remissão aos infernos, como um sinal de libertação.
Seja como for, algo é indiscutível: J.-M.Le Clézio é um autor com um poder de observação notável, que lhe permite alcandorar-se a um lugar cimeiro na descrição de situações que configuram a existência do homem em busca da sua identidade.
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