quinta-feira, 23 de abril de 2009

OS GIRASSÓIS CEGOS



Este é daqueles livros que abanam o leitor. Abanaram-me a mim, pelo menos. A ponto de em certos momentos passar pela tentação de desistir da leitura, não por aborrecimento como às vezes acontece, mas, ao contrário, pela extrema densidade e dureza da narrativa.

O livro reune 4 histórias do final da Guerra Civil de Espanha. 4 histórias de derrotas. 4 histórias que nos mostram que ninguém venceu a terrível guerra que partiu a Espanha em dois lados que se combateram sem quartel e que, ainda hoje, mantém de pé ódios e rancores, feridas inconsoladas, dores insuportáveis de lado a lado.

São 4 histórias sem quartel que evoluem numa terrível geografia do pavor. Histórias que, apouco e pouco, se vão entrecruzando e onde os personagens de uma aparecem noutra, mostrando que, se calhar, aquelas 4 histórias são apenas uma, a história de todas as derrotas de uma Espanha terrivelmente dilacerada.

A escrita é seca, o tempo é manipulado e corre para trás e para a frente, obrigando o leitor a uma atenção especial

Único livro publicado em vida por António Mendez, editor falecido há alguns anos, recebeu inúmeros prémios póstumos.

Têm aparecido na ficção espanhola as obras quase sempre dolorosas que fazem o balanço da Guerra Civil. Sabemos que estes balanços da memória não são fáceis quando ainda estão vivos alguns dos seus protagonistas.

Lembro alguns outros romances que li sobre a mesma temática:

"Os soldados de Salamina" de Javier Cercas

"O lápis do carpinteiro" de Manuel Rivas

"20 anos e um dia" de Jorge Semprún

De alguma maneira passa-se o mesmo com a nossa Guerra Colonial. Também, a pouco e pouco vão surgindo as memórias e as ficções que fazem um balanço doloroso e que só pode ser feito sobre um fio de lâmina particularmente aguçado.

Se em ambas as nações não se fez o ajuste de contas e de culpas, e se esse facto tanto pode ser considerado negativo, na medida em que os crimes ficam por nomear, como pode ser considerado positivo no sentido em que contorna o bordo das feridas e procura uma pacificação nos braços maternos da democracia.

O ajuste de contas, o grande mergulho na memória será feito, quiçá, com mais rigor na ficção do que na História.

Porque a ficção transporta uma verdade que está para além dos factos e que será porventura a verdade mais verdadeira.

É assutador apercebermo-nos do que foi a bárbara Cruzada cristã contra "los rojos". É assustador percebermos como os sonhos se desfizeram até fazer das pessoas fantasmas, sombras, restos de gente arrastando-se nas masmorras, nos esconderijos ou na morte da derrota.

"Os girassóis cegos" são arrebatadores e cada uma das suas 4 histórias deixa-nos à beira de um abismo de cortar a respiraçao, o abismo dos tempos que se seguiram ao final de uma guerra onde todos perderam, uns mais que outros e a própria Espanha perdeu acima de todos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Zè Fanha,no verão de 2007 fui a uma livraria em Barcelona e pedi ao livreiro,um jovem rapaz, que me desse um livro de um romancista jovem.E eel deu-me estes "Girasoles Ciegos".Fiquei em choque ,afinal o escritor tinha 60 anos!Bradei contra o livreiro que não eprcebera o que eu queria.Pus de lado por uns meses.Um dia agarrei o livro e li-o,no dia seguinte li outra vez! e passados dois emses li de novo!