domingo, 26 de julho de 2009

REQUIEM PELOS POVOS ELEITOS




O escritor israelita David Grossman apresentou, numa das últimas edições da Feira Internacional do Livro de Jerusalém, um texto corajoso, que o jornal “El País" publicou. Esse texto, que tem por título "Ver a Realidade através dos Olhos do nosso Inimigo", aborda uma questão central para a paz no Próximo Oriente, ou seja, a urgência de os israelitas se colocarem no lugar dos palestinianos e, assim, começarem a abandonar a sua postura de povo eleito, eterna vítima dos que o não são... O que implica uma outra consequência, não menos marcante: a necessidade de tomarem consciência de que a sua história não é a "História da Humanidade", mas tão só uma história entre muitas outras. O que, por outras palavras, se pode pôr de um modo ainda mais simples: não há povos eleitos, não há histórias centrais - todos são filhos de Deus...
Este modo de colocar a questão fez-me lembrar o que se passava com algumas literaturas nacionais, na primeira metade do século XX. Mais propriamente, com a literatura francesa. Tudo o que não fosse francês era considerado marginal ou secundário. Inclusivamente, os grandes autores americanos, apenas tolerados quando incluíam Paris nos seus itinerários literários... E só muito gradualmente é que as coisas se foram alterando. A pujança da cultura americana e o seu poder de penetração foram as alavancas principais dessa mudança, mudança relativa - note-se - pois a maioria, a grande maioria, das obras editadas em França continuou a ser de autores franceses - independentemente do seu mérito literário. Evidentemente que outros factores também exerceram a sua influência, como, por exemplo, a boa recepção que as obras francesas sempre tiveram nos Estados Unidos da América. Mas, o que, em última instância, originou a viragem foi a tomada de consciência, por parte de editores, de leitores franceses, do espartilho que os sufocava, ou seja do empobrecimento a que o seu ensimesmamento os estava a condenar, privando-os do conhecimento de outras literaturas, tão ricas como a sua.
Em última instância, as coisas não se passarão de modo muito diferente nas relações entre o povo israelita e o povo palestiniano. O fechamento de um engendra, forçosamente, o do outro. E, quando um se julga o eleito de Deus, é evidente que lhe compete tomar a iniciativa. A "revolução" terá, pois, de vir de dentro, do sentir, do pensar de Israel, da sua tomada de consciência de que o mundo mudou e de que uma nação, uma raça não têm o monopólio da Verdade. Se o não fizer, comete o mais estúpido dos suicídios: o da autodestruição progressiva, a que toda a centração auto-umbilical forçosamente conduz. No mínimo, condenar-se-á à marginalização, a um papel secundário, num futuro em que a universalidade é o horizonte. O que, aliás, esteve em riscos de acontecer com a literatura francesa - e, de algum modo, não acontecerá, ainda?

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