quinta-feira, 9 de julho de 2009

UM GRANDE ESCRITOR PORTUGUÊS DO SÉC. XX - QUE NINGUÉM CONHECE





Sílvio Lima foi meu professor de cadeiras de Psicologia, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Há cinquenta e quatro anos, exactamente. Dele, guardo várias imagens, por vezes, de sentido contraditório. Professor de verbo brilhante, o seu discurso tinha a finura da inteligência crítica e o peso do conhecimento erudito. Os assuntos abordados nas aulas eram actuais e, a maioria das vezes, apresentados de uma forma interessante e pessoal. Ora, todas estas características deveriam fazer dele um grande professor, por todos reconhecido. Mas, na verdade, assim não era. A inquietação que nele se adivinhava, as perspectivas ideológicas subjacentes às suas prelecções (e que ele não ocultava), o constante jogo de palavras, por vezes, a sobrepor-se à profundidade da análise, levavam alguns de nós, jovens de vinte anos, a tomar algumas precauções - pelo menos, um certo distanciamento...
De tudo isso eu me recordei, agora, ao ler uma dissertação de mestrado apresentada na Universidade de Coimbra. Dissertação curiosa, decorrente da "descoberta" de cerca de cem artigos sobre desporto, que Sílvio Lima publicou em "O Primeiro de Janeiro", entre 1935 e 1942, ou seja, no período em que esteve compulsivamente afastado da docência universitária, por razões políticas. Estes artigos e perto de vinte ensaios, que publicou sobre desporto, constituem uma obra ímpar na cultura portuguesa do segundo quartel do século XX. E mais rara ainda por vir de um professor da Universidade de Coimbra, nessa época tão fechada em si mesma, tão tradicional e refractária a tudo o que fosse inovação. Principalmente, quando essa inovação tinha uma nítida intenção de intervenção social. Creio, mesmo, que se trata do primeiro conjunto de estudos, que têm o desporto como tema, escritos por um professor universitário português.
A referida dissertação, apresentada por Pedro Falcão, levou-me à leitura (e à releitura) desses textos e a uma conclusão verdadeiramente surpreendente: Sílvio Lima é um dos grandes escritores portugueses do século XX. E totalmente desconhecido da nossa literatura. Se algum conhecimento ainda há, hoje em dia, das suas obras (nos meios universitários), tal se deve à edição das suas "Obras Completas", organizada por José Ferreira da Silva e publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian. O que é muito e, ao mesmo tempo, pouco, pois continua a faltar a abordagem da obra do autor, sob outros ângulos, como, por exemplo, o do seu lugar na história do ensaísmo português. Quer concordemos, quer não, com as suas posturas intelectuais, as suas teses, a pertinência das suas polémicas, não podemos deixar de concluir que Sílvio Lima é um dos maiores ensaístas portugueses do século XX – e um dos mais prolíferos. E não estou a esquecer nem o António Sérgio, nem o Fernando Pessoa, nem o Eduardo Lourenço.
E esta conclusão entristece-me: quantos escritores estarão esquecidos no limbo dos nossos arquivos, à espera que a sua fada madrinha os faça reviver da letargia em que nós, os viventes desatentos, os vamos sepultando? Se ao menos se perfilasse, no nosso horizonte, alguma preocupação pela elaboração de estudos temáticos sobre os principais géneros literários, entre nós cultivados... Se tal acontecesse, ainda haveria alguma esperança de que o nome de Sílvio Lima fosse enaltecido, como um dos grandes escritores dessa forma portuguesa de fazer ensaio - brilhantemente iniciada por Moniz Barreto, no final do século XIX. Mas quem é que, hoje, ainda sabe quem foi Moniz Barreto?

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