sábado, 25 de dezembro de 2010

O Fim dos Livros




Foi em Londres, há cerca de dois anos, que a questão do fim dos livros e da sua completa transformação foi agitada num pequeno grupo de bibliófilos e de eruditos, do decurso de um serão memorável cuja recordação ficará gravada na memória de cada um dos assistentes.

Octave Uzanne


Exactamente, uma tertúlia de eruditos após uma famosa palestra de Sir William Thomson, ou Lord Kelvin como é mais conhecido, no final do século XIX na Royal Society, discute enquanto ceava o futuro da humanidade, dos costumes e das artes. O ponto de partida era a previsão matemática (completamente equivocada pelo desconhecimento da radiatividade, hoje o sabemos) do cientista britânico, e segundo a qual, o globo terrestre, e com este a raça humana, encontraria ao seu ocaso ao fim de 10 milhões de anos,

E sob os efeitos da champanhe um dos membros da tertúlia toma a palavra para discorrer sobre a predominância moral e intelectual dos novos continentes sobre os antigos, lá pelo final do próximo século. Anunciava também que a América tomaria a dianteira do movimento de marcha do progresso ...

"Um afável vegetariano e sábio naturalista, deleitou-se a imaginar" como a nossa alimentação seria doseada sob a forma de pós, xaropes, pílulas e biscoitos e que "não mais haverá padeiros, talhantes e comerciantes de vinho, nem restaurantes e merceeiros, apenas alguns droguistas, e toda a gente livre, feliz, capaz de prover às suas necessidades com alguns céntimos ..."

Um conhecido pintor e crítico de arte, místico, esotérico e simbolista discorre sobre as artes plásticas. "Aquilo a que chamamos arte moderna é verdadeiramente arte? E o número de artistas sem vocação que a exercem mediocremente, aparentando talento, não demonstra suficientemente que se trata, antes, dum ofício ao qual tanto falta a alma criativa quanto a visão?" E prevê que a proliferação dessa arte medíocre invadiria os museus e que estes seriam incendiados para evitar contagiar a criatividade de génios nascentes. A ilustração, a fotografia e o teatro ocupar-se-iam de retratar os acontecimentos da vida e surgiria então uma arte renovada, que subtil exprimiria o esencial, e que estaria reservada uma aristocracia bem pensante. A fotografia e a ilustração bastariam à satisfação popular.

Finalmente surge a questão dos livros. Como serão os livros no futuro? E toma a palavra o nosso autor, para após algumas reflexões de natureza histórica e técnica sentenciar sem muitas dúvidas que: "... o elevador pôs fim às escaladas dentro de casa; o fonógrafo destruirá provavelmente a tipografia. Os nossos olhos são feitos para ver e reflectir as belezas da natureza e não para serem usados na leitura de textos ..." Os ouvidos são chamados a dar a sua contribuição ...

Um opúsculo divertido que se lê de um fôlego e que nos dá uma interessante visão de como o futuro era visto pelos nossos antepassados. O autor, Octave Uzanne (1851-1931), um bem conhecido bibliófilo no seu tempo, foi também autor de romances e estudos bibliográficos, para além de obras sobre a moda feminina. O seu amor aos livros conduziram-no com naturalidade a especular sobre o seu futuro. E se a sua previsão de que os livros seriam substituídos pelos áudio-livros não se concretizou, não deixa de ser verdade que a cultura dos livros está sob constante ataque dos modernos meios de comunicação social, e que as suas indagações permanecem válidas. Serão os livros substituídos por versões electrónicas? Sobreviverão os livros e as bibliotecas ou serão os seus conteúdos digitalizados e mantidos por não se sabe quanto tempo em bibliotecas virtuais? Sem os livros a humanidade nunca teria chegado ao actual estágio de desenvolvimento, o futuro do livro deve preocupar a todos.


Orfeu B.


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