"O mais importante é unir as nossas forças. Agora já sabemos o que poderíamos ter conseguido unindo as nossas forças. Mesmo que chamem o contratorpedeiro, se formos todos sem uma única excepção, salvar-nos-emos."
Konikosen
Takiji Kobayashi
"Um bestseller inesperado" segundo o New York Times, "Obra-prima", diz-nos o Le Monde des Livres, "Romance fenómeno" segundo o Les Temps. São algumas impressões que ornam a capa dum livro que já vendeu 1.600.000 exemplares em todo o mundo e isto depois de estar esquecido durante décadas. "Konikosen", ou Navio fábrica de enlatar caranguejos em japonês, é dos dado saber ser um clássico da literatura japonesa. Eu diria simplesmente que é um clássica da literatura. Konikosen retrata as condições de trabalho desumanas a que estavam sujeitos os pescadores de caranguejo no mar de Kamchatka. Escrito em 1929 pelo escritor Takiji Kobayashi (1900-1933), que também era sindicalista e colaborador do Partido Comunista, a sua reputação valeu-lhe a eleição para o cargo de secretário da Associação de Escritores Japoneses. Faleceu ainda muito jovem quando em 1933 foi preso pela polícia secreta e torturado até a morte.
"Konikosen" é um livro duma força extraordinária, não obstante da sua óbvia motivação política e ideológica e a sua narrativa programática. Um livro cuja leitura sugere bem conhecidos épicos da literatura "proletária", mas que são clássicos da literatura universal, tais como "As condições da classe trabalhadora em Inglaterra" (1844) de Engels, "Germinal" (1885) de Zola, "Vidas Secas" (1938) de Graciliano Ramos, "As vinhas da ira" (1939) de Steinbeck, "Fanga" (1943) de Alves Redol, "Levantado do Chão" (1980) de Saramago, entre muitos outros. Distingue-se "Konikosen" pela ligação explícita ao comunismo soviético, o que eu diria ser inevitável dadas as condições de proximidade geográfica com a União Soviética e as circunstâncias históricas particulares que sucederam à guerra entre Rússia e Japão no início do século XX. "Konikosen" é um livro onde um personagem anónimo faz a declaração inicial que marca toda a narrativa: "Vamos até o inferno." Mas por fim, a exploração desmesurada dos patrões, a crueldade do encarregado, a conivência do capitão e a cumplicidade da marinha levam os inicialmente dóceis e amorfos pescadores à revolta e a tomada de consciência de que só unidos poderiam fazer frente á brutalidade das condições de trabalho que lhes eram impostas. "Konikosen" propicia-nos uma leitura poderosa e tristemente actual.
Através da sua leitura, percebemos a natureza desumana das forças sociais em acção no Japão no início de 1930 e compreendemos mais claramente a génese do nacionalismo doentio e militar que varreu aquele país e o empurrou a celebrar uma aliança macabra com o fascismo europeu (Alemanha, Itália, Hungria, Bulgária e Roménia) em 1940.
Igualmente interessante parecem-me ser as condições que levaram à reedição e renascimento do interesse neste livro. Em 2008, por força da crise financeira internacional, a classe trabalhadora no Japão sofreu um acentuado processo de degradação das suas condições de vida, e neste terreno tristemente fértil, o aparecimento dum artigo a discutir o livro num jornal de grande circulação, o Mainichi Shimbun, em Janeiro de 2008, deu origem a um interesse generalizado, a que veio a se denominar "konikosen boom". O fenómeno culminou com o sucesso inesperado da versão "manga", que havia aparecido em 2006, mas sem grande repercussão", e com uma versão cinematográfica. Não tenho informações de outras implicações sociais. Finalmente, apetece-me dizer que não é só a crise financeira que torna livros como "Konikosen" embaraçosamente actuais, mas também o facto essencial de que uma parte da humanidade ainda não está livre de relações de trabalho e de situações de exploração que são indignas da condição humana.
Orfeu B.
Sem comentários:
Enviar um comentário