sábado, 26 de julho de 2008

Inspirado pelo texto da Paula sobre a "A arte de ler" do José Morais, venho dar-vos conta de um aspecto complementar do estudo científico da leitura. Enquanto que a obra do José Morais se debruça sobre os processos mentais que permitem ao leitor descodificar a mancha visual impressa numa página, o livro de que vos venho falar aborda as bases cerebrais desses processos mentais: "Les neurones de la lecture" de Stanislas Dehaene (2007, Odile Jacob). Antes de mais, algumas breves palavras sobre o autor. Estamos perante um génio dentro das ciências cognitivas e está tudo dito. É o único psicólogo (apesar de se interessar mais sobre as bases cerebrais) membro da Academia Francesa das Ciências; tem centenas de publicações científicas, etc. Mas o mais interessante é que ele é também um excelente divulgador e esta obra prova-o mais uma vez. Grande parte dos trabalhos citados no livro são do próprio autor.
A ideia base é a seguinte: quando o leitor vê uma palavra escrita há uma área muita específica do cérebro que fica activada. Essa área encontra-se em todos os indivíduos e é independente do código ortográfico (alfabético, silábico, etc). Mas há aqui um grande paradoxo. A escrita surgiu apenas à cerca de 6000 anos e esse tempo não é suficente para se desenvolver uma área cerebral com os mecanismos que conhecemos da evolução. Então como é que todos nós temos essa área? A solução proposta pelo autor passa pelo conceito de reciclagem neuronal. Essa área que se activa em todos nós quando lemos uma palavra é análoga (próxima em termos espaciais) de áreas do cérebro do chimpanzé que se dedicam ao tratamento da informação visual. O que é mais curioso é que estas áreas no chimpanzé já detectam formas semelhantes a letras (t, x, j, etc). Isto porque estas junções de linhas ocorrem naturalmente no mundo visual. Levanta-se aqui uma primeira questão fascinante. É provável que as letras não tenham sido uma mera invenção cultural da humanidade, mas que os nossos antepassados de alguma maneira tenham "aproveitado" inconscientemente as formas que o cérebro já detectava.
Continuando, o que acontece no desenvolvimento ontogenético é que quando a criança começa a aprender a ler parte dessa área - que já existe no chimpanzé (e que nós obviamente também temos) - é reciclada para a leitura. Este processo de reciclagem neuronal levanta uma segunda questão fascinante. Se, ao aprendermos a ler, vamos utilizar recursos neuronais que eram utilizados para o tratamento do mundo visual, então quem aprende a ler deve ser ligeiramente pior do que um iletrado em tarefas visuais. E já há algumas provas disso. Curioso não é: aprender a ler prejudica o nosso sistema.
MAS GANHAMOS TANTO, TANTO COM A LEITURA QUE ESTAS PEQUENAS PERDAS SÃO PERFEITAMENTE IRRELEVANTES - ACHO QUE TODOS CONCORDARÃO COMIGO.
Abraços

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