A editora Relógio d’Água publicou recentemente um livro da escritora canadiana Alice Munro, “O Amor de uma Boa Mulher”. Na mesma colecção, a mesma editora já havia publicado outra obra da autora, intitulada “Fugas”. As duas obras são colectâneas de contos, que têm a realidade canadiana como pano de fundo. Nelas, é evidente a influência de autores da literatura contista dos E.U.A., como é o caso de Raymond Carver. Influência que não lhe retira originalidade, antes lhe confere uma consistência narrativa que valoriza a sua escrita. Escrita no feminino, com um entendimento multifacetado da complexidade das situações e uma sensibilidade em filigrana na descrição das emoções, dos sentimentos das personagens femininas – o homem surge quase sempre como a referência necessária à delineação da personagem feminina. Assim é no conto “Antes da Mudança”, inserto em “O Amor de uma Boa Mulher”, conto com uma estrutura exemplar, em que a acção está contida num tempo presente (uma jovem vai passar uns dias em casa de seu pai, médico numa terra de província) e, através de uma carta que vai escrevendo ao seu antigo (?) companheiro, surgem, não só uma série de remetências para o passado como também um conjunto de sinais que parecem dar sentido ao futuro. O que acontece naqueles dias de permanência da jovem na casa paterna vai-nos sendo dado pelo modo como ela vivencia os actos das pessoas da casa, actos gradualmente iluminados por remetências ao passado. E, simultaneamente, também vão surgindo sinais que pontuam a evolução psicológica sofrida pela jovem, sinais que prenunciam a mudança (razão de ser do título, “Antes da Mudança”).
Outros textos desta obra poderão ter uma acção mais intensa, personagens mais ricas e variadas, mas poucos serão os que conseguem concretizar, num tempo e num espaço tão precisos, uma estrutura contista tão perfeita.
1 comentário:
Caro Albano, sou um admirador convicto dos contos da Alice Munro. Para além dos dois volumes editados em Português li vários em inglês e acabo de comprar em Bruxelas uma selecção dos melhores contos - vários deles já li, mas há muita prosa magnífica a descobrir nos contos ainda não lidos.
Abraços
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