A banda desenhada, que não manga ou comics, tem mercado em poucos países: França, Bélgica, Itália, Espanha, Argentina e Portugal. A produção portuguesa é dinâmica, salientando-se neste universo a obra de José Carlos Fernandes. Uma das séries mais bem concebidas deste autor denomina-se “A pior banda do mundo”. Os elementos da banda são Igancio Kagel (fiscal municipal de isqueiros), Sebastian Zorn (serrilhador de selos), Idálio Alzheimer (verificador meteorológico) e Anatole Kopek (criptógrafo de segunda classe). Estes personagens denotam desde logo a finíssima ironia do autor implacável na crítica social. A série já tem seis volumes e queria falar-vos do último volume (Os arquivos do prodigioso e do paranormal). Como em toda a série os desenhos são a sépia, ambientados numa sociedade parada visualmente nos anos cinquenta e os personagens ostentam nomes com ressonâncias germânicas ou eslavas. Cada volume contem pequenas histórias de duas páginas Esta série de rara perspicácia conjuga referências literárias e filosóficas que se combinam harmoniosamente com a narrativa gráfica. O universo é muito Borgeano.
Para terem ideia do ambiente destas pequenas histórias vou dar-vos alguns inícios. Em “O homem mais timorato do mundo”, Amílcar Knoss descortina desígnios funestos nos mais anódinos incidentes quotidianos; em “As ocorrências deliquescentes”, a maioria das ocorrências que Jerónimo Knipl, sargento da décima segunda esquarda, é chamado a resolver são tão inconsistentes como as queixas de Amílcar Knoss: “- um homem de fato creme lambe o asfalto nos cruzamentos das ruas Glissanto e Pizzicato”; em “A perturbante ubiquidade de Ivan Hecksfallz”, o Dr. Walter Ego tem em mãos o inexplicável caso de Ivan Hecksfallz, um decorador de piscinas de 32 anos: “- Ora, consta que nos últimos tempos o Sr. Tem sido avistado no Novo México; - absurdo, há seis meses que não saio da cidade e tenho provas sólidas que o atestam”. Em “A tentação revisionista”: Enquanto durou o regime do general Globokar (vitimado por uma queda de uma cadeira em Agosto de 1968) o Gabinete de Reequadramento Histórico trabalhou sem cessar; “- Temos um mês para suprimir Ilídio Kirov, o ex-ministro da prolixidade de milhões de manuais escolares”. Em “O Imperador da América”, no dia 26 de Julho, Célio Procope, um designer de paliteiros reformado, declarou unilateralmente a independência do seu apartamento no 6º andar do nº 333 da Avenida Bakunine. Em “A brigada de homicídios”, o inspector Zino Kautrock tem a seu cargo a investigação dos homicídios entre siameses que ocorrem na cidade. E estes são pequenos exemplos das histórias que encontramos no sexto volume da série, mas muitas mais estão nos cinco volumes anteriores.
Mesmo os que têm relutância em ler banda desenhada, se puderem perder um tempinho com estas leituras não se vão sentir defraudados.
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