Acabei de ler "Aprender a Rezar na Era da Técnica" de Gonçalo M. Tavares.
Lenz Buchmann, personagem principal é médico de profissão e tem um carácter preciso, intolerante e violento. A certa altura da vida é confrontado com uma doença que lhe retira o domínio do seu próprio corpo, a dignidade.
Será esta a condição da vida - leia-se vida, não necessáriamente humana, humanidade - a força, a doença e a morte.
«O que nas pessoas estranhas, desviadas por passo próprio ou enxotadas pelos outros, o fascinava era a absoluta liberdade individual com que faziam as suas escolhas. Num louco ou num pedinte que vagueava pelas ruas a pedir pão e sopa e que, de noite, tal qual os outros humanos, só queria dormir, Buchmann via quem poderia escolher em liberdade pura, e sem consequências, a sua moral individual. Moral que nem sequer tem um par, um elemento que a acompanhe. Quem iria contestar a «vida imoral» de um pedinte ou de um louco? Aqueles homens tinham já em si, pela sua diferença, uma carga de imoralidade universal e profunda, que os tornava imunes às pequenas imoralidades praticadas. Um louco, tal como um pedinte, não era imoral. Eram indivíduos sem cópia, semelhantes a um rei; alguém que não tem par, que não tem aquele que está ao seu lado. E por isso não há para esses homens escorraçados, como não há para o homem mais poderoso, qualquer critério de comparação. Buchmann olhava com admiração para aqueles homens que traziam no bolso um sistema jurídico único, com o seu nome no fim. De certa maneira, era isso que Buchmann desejava; ser portador de um sistema legal cujas leis só fossem aplicadas a si; ser portador de uma moral que não é a do mundo civilizado nem a do mundo primitivo; que não é a moral da cidade ou sequer a moral da sua família mas a moral que tem o seu nome, apenas o seu, escrito por cima. »
O autor juntou-se a um grupo de leitores do Clube de Leitura da Biblioteca de Tavira e no decorrer da conversa (e as conversas são como as cerejas) alguém questiona o sentido de "Rezar" e "Era da Técnica" ... cabe ao leitor desvendar e como referiu "A lietratura é isto, é dar espaço para a leitura, para a interpretação, para as interpretações. Sem esta função não teremos literatura".
1 comentário:
É muito bom ouvir Gonçalo M. Tavares. Este livro mostra uma realidade cruel e uma personagem muito pragmática e muito fria.
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