segunda-feira, 21 de julho de 2008

OS MILAGRES DIFICULTOSOS


Robert Coover, escritor norte-americano nosso contemporâneo, escreve, em conto publicado no n.° 9 da revista "Ficções", que o problema maior de um escritor está no começar. Aliás, o título desse conto remete-nos para essa preocupação do autor – "Começos". E dá o "exemplo" da ressurreição de Lázaro, por ele narrada em escrito anterior. Na perspectiva de Coover (escritor de forte pendor satírico e iconoclástico), Jesus teria mandado que retirassem Lázaro do caixão e que o desenfaixassem. Mas, por mais esforços que fizesse, a ressurreição não se consumava. Os judeus, que assistiam ao acto, começavam a ficar incomodados com o fedor que emanava do cadáver. Jesus, afadigado, ia pedindo paciência: já vai, já vai, o que custa é começar, depois, é sempre a aviar! E Robert Coover acrescenta que assim são as coisas para o escritor. E é isso que, neste momento, me está a acontecer, agora, que estou a iniciar estas quase crónicas. Se há começos que conduzem rapidamente a um fim (e aí se extinguem), outros há que são promissores de vida longa – longa, variada e rica. Espero que seja este o caso, pois sei também que, quanto mais custoso o milagre for, mais duradouro ele será. E, uma vez mais, será de evocar o milagre de Lázaro – passados dois mil anos, ele ainda aí está!

1 comentário:

JOSÉ FANHA disse...

Caríssimo Albano,

Muitas são as aventuras que Jesus Cristo viuveu na pena dos escritores.

Uma das que mais me divertiu chama-se "Em directo do Calvário" de Gore Vidal.

Uma cadeia televisiva tenta uma viagem no tempo para transmitir em directo a crucificação, descobrindo-se então que o crucificado foi Judas, desraçadamente aldrabado pelo próprio Cristo. E não fica por aqui. O delírio é delicioso e permanente.

Afirma a "Babélia" do último sábado que já não é possível escrever ficção científica porque a realidade a ultrapassa largamente.

Quanto á escrita, parece-me que ainda há muita bainha para deitar abaixo, muito delírio para incendiar. E, sobretudo, ainda há muito para partilhar neste campo. Só que muitas vezes o casulo em que vivemos nos vai deixando sem disponibilidade.

A sua disponibilidade, a sua curiosidade, caro Albano, é que são maravilhosas.

Um grande abraço,

JFanha