sexta-feira, 19 de setembro de 2008

AS LIÇÕES DOS MESTRES



Comecei a ler e logo fiquei apaixonado. Primeiro pelo delicioso prefácio do José Gomes Ferreira. Depois, pela viagem pelos primeiros anos do século na volta da monarquia para a república, com maçons, republicanos, carbonários, polícias e padres, prisões e fugas. Um fartote. Finalmente, pelo prazer da prosa adornada, excessiva, colorida mas extraordinariamente saborosa de mestre Aquilino. Prosa de mastigar lentamente como o vinho forte. Prosa para leituras de outro tempo, um tempo em que alguns tinham tempo para ler.

Quando entrei para Belas-Artes nos finais dos anos 60, aprendi que havia os professores e havia os mestres. Os mestres eram homem de letras ou artes reconhecidos pela substância do seu ofício e pela dimensão ética e humana da sua figura.

Mestre Aquilino, mestre Almada Negreiros, mestre Abel Manta, mestre Sá Nogueira, mestre Lagoa Henriques, mestre Frederico George… Conheci pessoalmente ou fui aluno de alguns. Outros via-os passar e seguia-lhes os passos com o respeito e admiração.

Eram mestres. E essa ideia de mestria no oficio conferia-lhes uma condição excepcional no acto do ensino, fazendo com que também como professores fossem considerados mestres, homens que sabiam fazer, que conheciam por dentro as traves com que se cosia a arquitectura da sabedoria e que faziam convergir a sabedoria do fazer e a do reflectir sobre esse fazer.

Esta ideia de mestre estava intimamente ligada à ideia de inquietação, de dúvida e questionação permanentes, de excelência, conceito tão contrário ao de banalização dos saberes de pacotilha que reina no nosso ensino com as devidas e honrosas excepções.

A ideia de mestria implicava também uma ideia de hierarquia natural que não precisava de avaliações toscas e mal cozinhadas para, naturalmente, se impor.

O último mestre que conheci foi o nosso querido companheiro de blog Albano Estrela. Ouvi-lo, privar com ele ou lê-lo é um privilégio e uma lição. Como Coimbra, ou ainda melhor… Por isso, ao navegar deliciado na prosa de mestre Aquilino, vou lembrando a ironia, a ternura, capacidade de reflexão e de inquietação, a arte de Mestre Albano Estrela.

E falta ainda falar da obra como contista do Albano que tem momentos absolutamente deliciosos.

A quem não conhece aconselho o primeiro que li dele e que tem um dos mais notáveis contos que li em Português. O livro chama-se “Crónicas de um portuense arrependido” e o conto, “Por três vezes perdi a minha mãe, á terceira foi de vez”.


2 comentários:

Paulo Ventura disse...

Sou um devoto do Mestre Albano Estrela. Trocámos muitas cumplicidades literárias ao longo dos anos e o Mestre Albano Estrela foi-me sempre conduzindo a descobertas maravilhosas. Tem sido para mim um enorme privilégio poder ouvir o Mestre Albano Estrela e também tem sido um enorme privilégio ler a sua obra (que ele me vai dando à mediada que vai publicando). Adoro os seus contos que são dos melhores que tenho lido em Português.
Um grande obrigado ao Mestre Albano Estrela!!!!!!!!!!!

Paulo Ventura

Anónimo disse...

Conheço, tanto quanto me é possível, a obra litetrária de Albano Estrela. Admiro-o pela coerência, pela identidade e pela ternura que coloca nas suas narrativas.Aqui, neste blog, lhe deixo a minha homenagem e admiração. E dou-me ao luxo de escolher uma obra ao acaso para chamar a atenção de outros leitores: "E se o mal existisse mesmo?". Claro que não me esqueço de outros livros e, se com ele tenho alguma cumplicidade, ela nasceu da minha leitura do livro cuja capa está reproduzida nesta mensagem: "Crónicas de um Portuense Arrependido" (é verdade, convém salientar as magníficas fotografias que ele lá conseguiu colocar). Foi uma espécie de "Porto Entrevisto" (obra sua também) que eu reencontrei na cidade onde nasci e onde passei infâncias e adolescências.

António Ferra