Ainda a propósito da criação literária repesco este exerceto, "desviado" do blogue "O Bibilotecário de Babel" sobre o processo de escrita de Jorge Luis Borges.
Excerto do livro de entrevistas a Jorge Luis Borges, Em Diálogo, de Osvaldo Ferrari (volume 1, Círculo de Leitores, 2001):
«Hoje gostaria que falássemos de algo que muitos querem saber. Isto é, de como se produz em si o processo da escrita, ou seja, como começa no seu interior um poema, um conto. E a partir do momento em que se inicia, como continua o processo, a confecção, digamos, desse poema ou desse conto.Começa por uma espécie de revelação. Mas uso essa palavra de um modo modesto, não ambicioso. Isto é, de repente sei que vai acontecer algo e isso que vai acontecer pode ser, no caso de um conto, o princípio e o fim. No caso de um poema, não: é uma ideia mais geral e às vezes foi a primeira linha. Isto é, algo me é dado e depois intervenho eu, e talvez tudo se deite a perder (ri-se). No caso de um conto, por exemplo, bom, conheço o princípio, o ponto de partida, conheço o fim, conheço a meta. Mas depois tenho de descobrir, através dos meus muito limitados meios, o que acontece entre o princípio e o fim. E depois há outros problemas a resolver, por exemplo, se convém que o facto seja contado na primeira pessoa ou na terceira. Depois, é preciso procurar a época; agora, quanto a mim – isso é uma solução pessoal minha –, acho que o mais cómodo acaba por ser a última década do século dezanove. Escolho – se se tratar de um conto de um porto –, escolho locais do litoral, por exemplo, de Palermo, ou de Barracas, ou de Turdera. E a data, digamos que mil oitocentos e noventa e nove, o ano do meu nascimento, por exemplo. Porque, quem pode saber exactamente como falava aquela já morta da beira-mar? Ninguém. Isto é, que eu possa actuar com comodidade. Em compensação, se um escritor escolhe um tema contemporâneo, então já o leitor se converte num inspector e decide: “Não, neste bairro não se fala assim, as pessoas desta classe não usariam esta ou aquela expressão.”O escritor prevê tudo isto e sente-se travado. Em compensação, escolho uma época um pouco distante, um lugar um pouco distante; isso dá-me liberdade e já posso… fantasiar… ou falsificar, até. Posso mentir sem que ninguém se aperceba, pois é preciso que o escritor que escreve uma fábula – por mais fantástica que seja – acredite, naquele momento, na realidade da fábula.»
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