quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Uma Casa na Escuridão – A casa, a Escuridão

Dois livros para se ler em paralelo, do mesmo autor.
Numa escrita densa, surge uma história com várias personagens misteriosas: o escritor que tem uma mulher dentro dele que o faz escrever, o editor preso por recusar escritas de novos pretensos autores, a mãe morta por dentro e que ressuscita com a música, o senhor violinista que faz ressuscitar a mãe, a escrava Miriam que ama o príncipe, o príncipe de calicatri que guardava no coração todos os países por onde viajou, ninguém que não houve, não vê e não fala, o visconde (viscondessa) com um buraco na barriga, a tradutora que o observa, que o abraça, os soldados invasores que tudo amputam, o homem gordo chefe dos invasores, as crianças filhas do invasor, os gatos que andam pela casa.
Uma alegoria sobre o escrever, uma autobiografia, um drama. Um romance imenso e negro. Tudo cai num abismo. Os invasores que destroem os desejos e as vontades das pessoas, criam a impossibilidade do escritor continuar a escrever, amputam os seus braços e as suas pernas. Imputam as mãos de quem faz música, os ouvidos de quem a escuta, de quem a ama. O escritor sem escrever faz nascer uma escuridão dentro dele, e apodrece e morre.
A barbárie presente, personificada nesses homens barbudos com as suas espadas violentas, nesses invasores cruéis, que matam, que violam.
Muitas das imagens descritas são de uma beleza enorme, ler este livro é melhor que visitar uma exposição. Está sempre presente essa violência, essa tristeza, esse drama.
Um dos poemas da "A casa, a Escuridão" tem como protagonista os leitores, nós.

A Tradutora

tu lês. antes de ti, ela muda as palavras. antes dela,
eu escrevo. eu passei por aqui, ela passou por aqui,
tu passas agora por aqui.

entendes isso? ela está onde tu estarás. eu estou onde
ela estará. eu corro pelas palavras, ela persegue-me.
tu corres atrás de nós para nos veres correr.

eu escrevo casa e continuo pelas palavras. ela segura
as letras da casa e escreve vida. tu lês vida e entendes casa
e vida. eu não sei o que entendes.

eu corro. ela corre atrás de mim. tu corres atrás dela.
não existimos sozinhos. sorrimos quando paramos,
quando nos encontramos. aqui.

José Luís Peixoto "A Casa, a Escuridão"


Recomendo.